MANCHETES
O Globo
Governo quer terceirizar benefícios do INSS
Agências reguladoras temem esvaziamento
Presidente assume o controle da comunicação
Brasil bate recorde no Pan
Áreas contaminadas colocam população em risco
Bolsonaro assume o controle da comunicação
Presidente compartilha ataque a Deltan Dallagnol
Na Argentina, Macri sai em desvantagem
O Estado de S. Paulo
Guedes age para evitar que dívida judicial de Estados afete União
Planalto traça estratégias para eleições municipais
Bolsonaro diz que País não precisa de fundo alemão
MPs lideram criação de cargos por assembleias
Mais sete pódios no último dia do Pan
Ministério da Economia estuda reforma sindical
Kirchnerista vence primárias e complica reeleição de Macri
Presidente do Paraguai depõe sobre Itaipu
Folha de S. Paulo
STF arquiva todos os processos de suspeição contra si
Tasso Jereissati – Quanto menos Bolsonaro falar, melhor para a reforma
Sem apoio interno, favorito à PGR elogia presidente
TJ-SP lucra milhões com atraso na liberação de precatórios
Economia do São Francisco volta a crescer após seca
Oposição vence prévias argentinas com boa vantagem
Valor Econômico
BNDES vai assumir mais risco em crédito e liquidez
China avança no mercado argentino
Novo dono vai trocar Walmart por Grupo Big
Gilmar prevê MP de balanços judicializada
BCs garantirão ‘pouso suave’, diz banqueiro
A nobreza do zinco
Artigo – Cem anos depois, tempos de Weimar
EDITORIAIS
O Globo
Mercosul precisa harmonizar acordos com Europa e EUA
O avanço europeu surpreendeu os Estados Unidos, e cabe ao Brasil e à Argentina administrar os interesses
Brasil e Argentina estão diante de uma equação geopolítica: construir um acordo de livre comércio com os Estados Unidos em harmonia com o recém-assina-do compromisso entre o Mercosul e a União Européia.
É um desafio sem precedentes para a diplomacia profissional brasileira e argentina. A começar pelo fato de que a negociação precisa ser em bloco, como foi com os europeus, porque o Mercosul se baseia na política comercial e tarifa externa comuns.
Em recente visita a Brasília e Buenos Aires, o secretário de Comércio americano, Wilbur Ross, formalizou o interesse de Washington num acordo de livre comércio. Com o Brasil, requisito preliminar é concluir um tratado de investimentos.
Embora complexa, seria a etapa mais simples. “Existe uma outra situação”, disse Ross, referindo-se ao acordo Mercosul-União Europeia: “Já tem um pré-acordo político de livre comércio, agora isso precisa se transformar num acordo detalhado. É importante que nada nesse acordo seja um impedimento para um de livre comércio com os EUA”, disse. “Por exemplo” — continuou —, “nós temos questões com a Comissão Europeia sobre padrões nos setores automotivo, farmacêutico, químico, alimentício e em várias outras áreas. É importante evitar obstáculos que, inadvertidamente, podem aparecer na transação do Mercosul com a União Europeia.”
Soou como interessada a advertência americana sobre supostas “armadilhas” embutidas num compromisso arduamente negociado por duas décadas. Há razões objetivas para que, a princípio, assim seja vista. Afinal, até a assinatura do acordo Mercosul-UE as demonstrações de interesse do governo Donald Trump na América do Sul praticamente se restringiam a Cuba, uma ditadura a 150 quilômetros de Miami, e à Venezuela, dona das maiores reservas conhecidas de petróleo na região. Nos dois casos prevalece o interesse eleitoral doméstico de Trump em busca do voto latino para a reeleição no ano que vem, em especial na Flórida, que tem peso relevante no colégio eleitoral.
O avanço europeu no Mercosul, porém, surpreendeu e visivelmente incomodou Washington. Um eventual fracasso dessas negociações com a União Europeia, obviamente, deixaria os EUA em melhor correlação de forças com os países do Cone Sul.
O desafio na mesa da diplomacia do Brasil e da Argentina está em demonstrar capacidade e habilidade para harmonizar pactos abrangentes com europeus e americanos.
Há fatores fora de controle, como o cenário eleitoral argentino, onde o presidente Mauricio Macri tenta a reeleição numa disputa bastante equilibrada. Há, ainda, um relevante lobby da China em contraposição à ofensiva política americana em Brasília e em Buenos Aires.
É jogo pesado, desafiante à competência e à biografia dos responsáveis pela política externa regional.
O Globo
Aumento de recursos públicos para os partidos contraria o bom senso
É como se as legendas houvessem incluído no orçamento o caixa 2 que tiveram em eleições passadas
O calendário eleitoral estimula a imaginação de líderes e burocratas de partidos políticos. Querem ampliar o financiamento público de campanhas de prefeito e vereador no próximo ano. Os recursos extraídos do Orçamento federal passariam dos atuais R$ 1,7 bilhão para R$ 3,7 bilhões.
A justificativa da burocracia partidária é a da insuficiência de caixa para custear campanhas de mais de 500 mil candidatos a prefeito e vereador em 5,5 mil municípios.
Se efetivada a manobra liderada pelo PP no Congresso, com discreto apoio de outros, como PSL, PT e MDB, levaria o custeio total do funcionamento dos partidos a R$ 4,6 bilhões em 2020, somando-se o chamado fundo eleitoral pretendido e o fundo partidário já disponível.
Na prática é como se os partidos estivessem querendo repassar aos contribuintes uma conta adicional na dimensão do caixa 2 apurado em campanhas passadas, como observou em recente entrevista o pesquisador da FGV Humberto Dantas.
É algo que contraria o bom senso, para se dizer o mínimo, num país em grave crise fiscal, com 13 milhões de desempregados nas ruas, um déficit público estimado em R$ 139 bilhões neste ano e uma série de investigações sobre corrupção político-partidária ainda em andamento.
A tentativa de aumentar a provisão de recursos públicos para campanhas revela muito mais do que aparenta. Desnuda uma estrutura partidária inflada, cara, sem controle e incapaz de se reinventar mesmo depois da exposição de sua intimidade financeira na Lava-Jato.
Há três dezenas de partidos com representação no Congresso e outros 76 “em formação”, segundo os registros da última sexta-feira da Justiça Eleitoral. Passa da hora de se promover uma ampla reestruturação do sistema, com restrições efetivas à proliferação, redução de gastos — sobretudo, as mordomias dos chefes burocratas e a contratação de “consultorias” — e mudanças no formato das campanhas, com uso mais intensivo de meios eletrônicos. Há uma cláusula de barreira, mas tênue.
Não há lógica alguma no aumento dos recursos aos partidos. Se as disputas municipais reúnem número maior de candidatos, também é certo que a base territorial do embate por votos é muito menor do que nas eleições gerais, como as do ano passado. E, claro, a rede eletrônica disponível permite aos candidatos focar com mais precisão na mensagem a ser transmitida ao eleitorado.
É mais barato, eficiente, e permite a comprovação digitalizada de despesas, sempre útil na devida prestação de contas à Justiça Eleitoral.
O Estado de S. Paulo
Rede de mentiras
O presidente Jair Bolsonaro se valeu das redes sociais para compensar a baixa exposição de sua candidatura à Presidência da República no ano passado por meios ditos tradicionais, como as propagandas no rádio e na TV. Desde o início da década de 2010, notadamente a partir da onda de protestos de junho de 2013, o papel das redes sociais na vida política do País foi amplificado. Bolsonaro soube identificar e aproveitar como poucos essa transformação no relacionamento entre os políticos e uma significativa parcela do eleitorado.
Não só foi eleito presidente, como consolidou uma base de apoio fiel, acrítica e bastante ruidosa no Twitter e no Facebook, plataforma em que semanalmente faz suas já conhecidas lives, transmissões diretas e informais por meio das quais trata do que lhe vier à cabeça no dia. Essa aguerrida base de apoiadores virtuais, cujo tamanho varia a depender de quem realiza a contagem, serve ao presidente como uma caixa de ressonância para os seus interesses imediatos, que tanto podem ser a defesa de algum projeto do governo como o ataque a seus críticos.
Particularmente em relação a esta segunda “atribuição”, por assim dizer, a rede virtual de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro é implacável. Qualquer instituição, órgão, homem ou mulher que emitam algum tipo de crítica ao “mito”, façam-lhe reparos ou apontem suas incoerências serão alvo de uma campanha de desqualificação que ultrapassa, e muito, o limite do que seria um debate democrático entre grupos sociais antagônicos. O bando de radicais que se põem a serviço do governo, ou melhor, da pessoa do presidente da República, não hesita em caluniar, injuriar e difamar quem quer que seja quando Jair Bolsonaro está sob crítica por seus atos e palavras.
Aqui parece haver uma fina sintonia entre o presidente e sua rede de apoio digital, o que sugere algum grau de coordenação. O Estadão Verifica, núcleo de checagem de fatos do Estado, constatou a falsidade total ou parcial das informações que circularam amplamente por meio de redes sociais sobre pessoas que foram alvos de Jair Bolsonaro em sua recente erupção verborrágica. Quando o presidente Jair Bolsonaro desqualificou publicamente o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e seu então presidente, Ricardo Galvão, classificando como “mentirosos” os dados colhidos pelo instituto a respeito do desmatamento da Amazônia, a rede bolsonarista na internet logo fez circular o “depoimento” de um suposto médico do Amazonas que contestava aqueles dados científicos.
As informações contidas na fala do tal médico, evidentemente, eram falsas, apurou o Estadão Verifica. Em uma mesma ocasião, um café da manhã com a imprensa estrangeira, no dia 19 de julho, o presidente mentiu sobre o passado da jornalista Miriam Leitão, dizendo que teria sido presa a caminho da guerrilha do Araguaia, e disse que “daqueles governadores “de paraíba”, o pior é o do Maranhão. Não tem de dar nada para esse cara”. Ato contínuo, a milícia digital a serviço de Bolsonaro nas redes sociais fez circular a hashtag #MiriamLeitãoTerroristaSim e divulgou a informação de que o governador Flávio Dino (PCdoB) trocou a bandeira do Brasil de seu gabinete pela bandeira do partido comunista.
Mais uma vez, as alegações foram desmentidas pelo Estadão Verifica. Há vários outros casos que seguem o mesmo padrão. Eles revelam, antes de tudo, que o presidente da República e seus apoiadores mais radicais não sabem debater no mundo dos fatos, optando pela ilusão de que a permanente construção da fantasia lhes bastará para impor sem contradita a versão oficial do que quer que seja. Há o desgaste desse próprio modo de atuação, que recorre à mentira com contumácia e, pouco a pouco, ficará cada vez mais restrito às bolhas fanatizadas que orbitam em torno do governo. Há o amadurecimento da sociedade, que haverá de superar o impacto da transformação trazida pelas redes sociais e saberá distinguir o falso do verdadeiro. E haverá sempre a tradicional imprensa profissional a desmentir mentiras e a publicar aquilo que se quer manter escondido.
O Estado de S. Paulo
Parceria com o Japão
O acordo comercial entre o Brasil e o Japão, que um grupo de empresários dos dois países, sobretudo do setor industrial, vem discutindo há bastante tempo, pode tornar-se viável ainda neste ano e incorporar os demais países do Mercosul. O acordo assinado pelo Mercosul com a União Europeia impulsionou o interesse dos japoneses no entendimento comercial com o bloco do Cone Sul da América do Sul e criou, especialmente no Brasil e na Argentina, um ambiente político mais favorável para que o Mercosul amplie seu comércio externo.
Quando concluído, esse acordo aproximará ainda mais o Mercosul dos países industrializados, num movimento inverso ao que o bloco fazia no tempo em que seus principais membros – Brasil e Argentina – estavam submetidos a governos populistas que, com uma visão terceiro-mundista retrógrada, davam preferência a parcerias com países subdesenvolvidos. Além disso, o acordo estimulará o intercâmbio com um país de grande influência e participação no desenvolvimento, produção e comércio de bens de alta tecnologia.
Em reunião realizada em São Paulo, o Conselho Empresarial Brasil-Japão aprovou declaração na qual defende o lançamento de um acordo de parceria econômica entre os dois países. Esse conselho, formado por representantes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Federação Empresarial do Japão (Keidanren), vem tratando do acordo desde 2014 e, no ano passado, apresentou um roteiro para a discussão dos principais temas da agenda de comércio, cooperação e investimentos. Como informou o Estado, há a expectativa de que a formalização da parceria comercial ocorra durante a visita do presidente Jair Bolsonaro a Tóquio, programada para outubro, quando ocorrerá a cerimônia de entronização do imperador Naruhito.
Se não for nessa ocasião, o anúncio da parceria poderá ocorrer em novembro, se o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, aceitar o convite para visitar o Brasil naquele mês. A declaração da CNI e da Keidanren lembra o enorme potencial para a ampliação da cooperação econômica e industrial entre Brasil e Japão. Um acordo que torne mais fluido o comércio de bens e serviços entre os dois países terá efeitos benéficos para os dois lados, e também para todo o Mercosul. “Os setores produtivos entendem que é o momento para se iniciar as negociações entre o Brasil e o Japão”, avalia o diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Carlos Abijaodi.
Takao Omae, representante da parte japonesa na comissão empresarial, diz que o empresariado de seu país está disposto a defender, no governo de Tóquio, as negociações com o Mercosul. Até há alguns anos, o Brasil era o principal destino dos investimentos japoneses na América Latina. Hoje a posição é ocupada pelo México. Mesmo assim, o Japão é o sexto maior investidor no Brasil. Quanto ao comércio exterior, o Japão esteve durante anos entre os cinco principais destinos de produtos brasileiros, mas hoje está na oitava posição, de acordo com dados dos seis primeiros meses deste ano. As exportações brasileiras para o Japão já estiveram perto de US$ 10 bilhões por ano, mas vêm declinando desde 2011. Nos primeiros seis meses de 2019, elas somaram US$ 2,16 bilhões. Da mesma forma, as importações de produtos japoneses pelo Brasil estão em queda desde o início da década, quando alcançaram cerca de US$ 8 bilhões.
Nos primeiros seis meses deste ano, o total foi de US$ 1,98 bilhão. São números que dão a dimensão de quanto se pode avançar nas relações comerciais caso o acordo seja concluído. Há, além do interesse econômico e financeiro que obviamente baliza as negociações de acordos desse tipo, aspectos sociais que estimulam o estreitamento das relações entre Brasil e Japão. A comunidade brasileira no Japão é a terceira maior no exterior, com cerca de 200 mil pessoas. A chamada comunidade nikkei, de japoneses e seus descendentes que vivem no Brasil, é de cerca de 2 milhões de pessoas, a maior população de origem nipônica fora do Japão.
O Estado de S. Paulo
Os problemas da MP 881
Baixada no dia 30 de abril para marcar os 100 primeiros dias do governo do presidente Jair Bolsonaro, com o objetivo de reduzir a burocracia e criar um ambiente mais propício aos negócios, a Medida Provisória 881, a MP da Liberdade Econômica, pode, paradoxalmente, produzir resultados opostos aos pensados por seus idealizadores, aumentando a insegurança jurídica e desestimulando investimentos. Quando saiu do Palácio do Planalto, ela continha apenas 19 artigos, tratando exclusivamente desses temas.
Mas, no texto votado pela comissão mista da Câmara e do Senado, ela já está com mais de 50 artigos, muitos dos quais sugeridos pela equipe do Ministério da Economia, e que tratam das mais variadas matérias, alterando dezenas de dispositivos legais. Por isso, se vier a ser aprovada desse modo pela Câmara e pelo Senado, ela repetirá um dos mais graves problemas de técnica legislativa no País, que é o de tratar de temas discrepantes num único texto normativo.
Além das disposições relativas à desburocratização da economia, que é seu objetivo original, o texto da MP votado pela comissão mista trata de matérias que envolvem o Código Civil, o Código de Processo Civil, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Recuperação de Empresas e a Consolidação das Leis do Trabalho. Envolve, também, disposições nas áreas de direito tributário, direito comercial, direito ambiental e direito urbanístico. Em matéria ambiental, por exemplo, revoga exigências para instalações de sistemas de energia solar. Em matéria de direito urbanístico, limita a discricionariedade dos municípios na elaboração de planos diretores, proibindo as prefeituras de exigir garagens.
As modificações mais polêmicas estão no campo do direito do trabalho, pois restringem direitos dos trabalhadores, limitam o poder dos fiscais do trabalho e colidem com convenções da Organização Internacional do Trabalho, das quais o Brasil é signatário. O texto aprovado na comissão prevê, entre outros pontos, o fim do adicional de periculosidade para motoboy e interfere na autonomia da Justiça do Trabalho, transferindo para a Justiça comum a aplicação das leis trabalhistas no caso do trabalhador que ganha mais de 30 salários mínimos por mês.
Nas vésperas da decisão do plenário, o relator da MP, deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), propôs aos líderes dos partidos na Câmara algumas mudanças no texto aprovado na comissão mista. Ao aprovar um texto confuso e eivado de inconstitucionalidades, cedendo a pressões empresariais e da equipe econômica do governo, a comissão perdeu uma oportunidade ímpar de regulamentar questões relevantes para reduzir a burocracia. Embora esteja entre as dez maiores economias do mundo, o Brasil é um dos piores países em matéria de ambiente de negócios, segundo o relatório Doing Business, do Banco Mundial.
Além disso, o modo como o texto-base da MP foi desfigurado acarreta um problema de caráter institucional. Ao analisar uma MP baixada pelo governo, em que medida a Câmara e o Senado podem se afastar do conteúdo central do texto, indo muito além de fazer eventuais restrições, adequações ou adaptações? Ao julgar há alguns anos uma ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) classificou como “contrabando legislativo” a introdução de matérias estranhas ao tema central de uma MP.
“Não se trata de mera inobservância de formalidade, mas de um procedimento marcadamente antidemocrático, na medida em que, intencionalmente, subtrai do debate público e do ambiente deliberativo próprios ao rito ordinário dos trabalhos legislativos a discussão sobre normas que regularão a vida em sociedade”, disse a ministra Rosa Weber, em seu voto. Sindicatos e associações de juízes já advertiram que recorrerão ao STF com base nesse argumento, caso a MP da Liberdade Econômica seja aprovada como está. E, como a Corte já abriu um precedente quando acolheu esse argumento, há o risco de um novo embate entre o Legislativo e o Judiciário. É o tipo de problema que poderia ter sido evitado.
Folha de S. Paulo
Bolsonaro em dados
Levantamento vê piora em 44 de 87 indicadores; atual governo não é o único responsável, mas ainda está por se provar á altura dos desafios que herdou
Em tão pouco tempo de governo, é difícil estabelecer relações de causa e efeito entre as escolhas do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e os resultados obtidos pelas políticas públicas, favoráveis ou não.
Levantamento publicado neste domingo (11) pela Folha reuniu 87 indicadores de áreas tão distintas quanto economia, educação, saúde, meio ambiente, segurança, trânsito e opinião pública. No primeiro semestre, 44 deles — pouco mais da metade, portanto — mostraram retrocesso. Em 28, notou-se melhora, e em 15, estabilidade.
Decerto que numa lista de tal amplitude haverá dados a refletir tendências anteriores à atual administração. A estagnação ou queda de recursos destinados a órgãos e programas, em particular, observa-se desde 2015, quando o governo Dilma Rousseff (PT) reconheceu, na prática, o colapso das contas do Tesouro Nacional.
Os cortes orçamentários promovidos na educação ganharam maior visibilidade, o que muito se deveu à atuação caótica do governo nessa área — com troca de ministros, amadorismo e ataques disparatados a universidades. Nesse caso, a falta de racionalidade parece mais preocupante que a de verbas.
Ainda mais evidente é o retrocesso no setor ambiental, e não apenas devido às evidências de alta expressiva do desmatamento.
A investida do presidente contra as estatísticas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), sobretudo, já trouxe danos quase insanáveis para a credibilidade do governo perante o público interno e a comunidade internacional.
Do lado positivo, o bolsonarismo mais fervoroso celebra a queda geral do ainda escandaloso número de homicídios no pais. Entretanto o fenômeno já havia sido registrado, embora de forma menos acentuada, no ano passado. Ademais, não se percebe alguma iniciativa clara capaz de explicá-lo.
Na economia há maior fartura de indicadores, o que facilita uma avaliação. No plano mais imediato, pode-se dizer que a equipe de Bolsonaro acerta ao manter o controle de gastos e ao conduzir com cuidado um novo ciclo de corte de juros.
Resta saber se terá capacidade de tirar do papel sua agenda promissora de reformas, por ora restrita ao plano das ideias e declarações.
Os números do Produto Interno Bruto decepcionaram, num sinal de que Brasília ainda não conseguiu restabelecer a confiança de empresários e consumidores. Como já se disse à exaustão, a mudança na Previdência é condição necessária, mas não suficiente para tal.
Os indicadores descrevem um país empobrecido, um setor público a ser reformulado e uma sociedade polarizada. Não se deve culpar só o atual governo por esse panorama, mas pode-se apontar que ele até agora não se provou à altura dos desafios que terá pela frente.
Folha de S. Paulo
Usos e abusos da terra
O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, em inglês), um órgão do sistema da ONU, publicou na quinta-feira (8) um novo e importante relatório compilando informações científicas sobre o aquecimento global. Desta vez, seu foco recaiu sobre a contribuição dos usos da terra para mitigar ou agravar a crise do clima.
Um pedaço do planeta estar coberto por plantações, pastos ou matas tem conseqüências para a concentração de gases que aceleram o efeito estufa e, assim, para a temperatura da atmosfera.
Uma floresta em crescimento absorve gás carbônico. Além disso, diminui a temperatura atmosférica acima dela por meio da evapotranspiração, como se fosse um ar-condicionado. Derrubada, lança carbono no ar, realimentando a espiral de aquecimento.
Um campo cultivado e até um pasto bem manejado estocam mais carbono que o solo nu. Florestas plantadas ou áreas degradadas em regeneração seqüestram carbono e, portanto, contribuem para arrefecer o processo global.
A pecuária e a utilização de máquinas e fertilizantes também influenciam esse fluxo de gases-estufa. Tudo somado e subtraído, diz o IPCC, o uso da terra e suas mudanças (de floresta para pastagem, por exemplo) respondem por 23% das
emissões mundiais de carbono.
Parece evidente que os setores agrícola e florestal têm uma enorme contribuição a dar para mitigar a emergência que arrisca tornar cada vez mais freqüentes os eventos climáticos extremos, como secas, ondas de calor e inundações.
Tal constatação representa tanto uma oportunidade para os países menos ricos quanto seu interesse, porque os piores impactos vão se abater sobre suas populações.
O relatório alerta, contudo, que é preciso fazer muito mais, mobilizando outras áreas da indústria humana, sobretudo nas de transportes e geração de energia. Claramente, o maior esforço cabe aqui às maiores potências, China inclusive.
O Brasil se acha em posição privilegiada. Conta com enorme espaço para aumentar a produtividade da agropecuária sem seguir expandindo a área de cultivo e pastagem. Apesar disso, o desmatamento está em recrudescimento (dados preliminares indicam avanço em torno de 50% de 2018 para 2019).
O governo de Jair Bolsonaro (PSL), entretanto, não cessa de lançar combustível nessa queimada. Manietou o Ibama e promoveu uma intervenção no Inpe, o que incentiva grileiros, madeireiros ilegais e fazendeiros imediatistas a desencadear um ataque às florestas que não interessa ao país.