Nas entrelinhas
“A China é o maior parceiro comercial do Brasil; os Estados Unidos, o segundo. O choque entre ambos transforma a economia brasileira numa espécie de marisco”
A primeira fala séria de uma autoridade de primeiro escalão do atual governo sobre a situação internacional não veio do Itamaraty, veio do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ontem, no debate Como fazer os juros caírem no Brasil, promovido pelo Correio. Segundo ele, no momento, a maior ameaça à economia brasileira é a guerra comercial deflagrada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra a China, o México e parte da Europa. A escalada da guerra comercial, que agora virou uma guerra cambial, continua, e seus efeitos negativos estão se espalhando pelo mundo.
Quando os Estados Unidos começaram a sobretaxar importações, especialmente da China, se imaginava que o efeito seria um pouco mais de inflação e, consequentemente, a elevação da taxa de juros nos Estados Unidos e na Europa. Segundo Campos Neto, o que houve foi outra coisa: queda da inflação, em razão da baixa atividade econômica. Como já estava muito baixa ou negativa na maioria dos países desenvolvidos, nesse cenário, a taxa de juros deixou de ser um instrumento para aumentar a atividade econômica.
Além da guerra comercial, segundo Campos Neto, dois problemas afetam a economia global, inclusive a brasileira: o envelhecimento da população europeia, a exemplo do que aconteceu no Japão, e a escalada de tensões políticas em decorrência das atitudes de Trump. É o caso da crise dos EUA e da Inglaterra com o Irã e seu impacto no Estreito de Ormuz, na rota do petróleo que abastece o Ocidente. Na política mundial, as ações intempestivas de Trump são um fator de instabilidade econômica, pois inibem a tomada de decisões quanto aos investimentos.
Campos Neto não disse, mas a realidade escancara: o alinhamento automático do presidente Jair Bolsonaro com Trump — cujo lance mais polêmico é a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para o estratégico posto de embaixador do Brasil em Washington — está em contradição com essa realidade do cenário internacional. Corrobora e segue a reboque de uma política internacional danosa à nossa inserção na economia global. A China é o maior parceiro comercial do Brasil; os Estados Unidos, o segundo. O choque entre ambos transforma a economia brasileira numa espécie de marisco. Agarrar-se ao rochedo não impede o impacto da onda.
Crescimento
“O que virá por aí?”, indaga o presidente do Banco Central. Sua única certeza é de que teremos baixo crescimento econômico, em praticamente todas as economias do planeta. É por essa razão que as expectativas dos analistas de mercado e investidores com relação ao desempenho da economia brasileira, mesmo com uma alvissareira aprovação da reforma da Previdência, são pessimistas ou moderadas. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o mundo vai crescer 3,2% neste ano e 3,5% no próximo, um décimo menos tanto em 2019 como 2020. A projeção de crescimento do Brasil para este ano foi reduzida de 2,1% para 0,8%; diminuiu também a estimativa de 2020, que passou de 2,5% para 2,4%.
A aprovação da reforma da Previdência é um alento para o mercado, mas não basta para relançar a economia. O governo precisaria irrigar a economia com mais recursos, porém, estão cada vez mais escassos. No momento, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta fazer isso com a liberação dos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que resolve apenas o problema do endividamento excessivo das famílias de baixa renda, já que o limite de saque por trabalhador é de R$ 500.
Outra opção seria usar as reservas e comprar títulos públicos no mercado para inundar a economia de dinheiro vivo, a fórmula usada nos Estados Unidos e na Europa para sair da crise de 2008. O Banco Central também pode baixar ainda mais os juros, que continuam escorchantes no mercado financeiro, porque a inflação permanece abaixo da meta. (Correio Braziliense – 07/08/19)