A Grande Recessão brasileira (de 2014 a 2016), seguida de três anos de crescimento medíocre, já incluído na conta o ano corrente, criou um enorme desafio para o sistema político e a sociedade. Não há democracia que resista ilesa à convivência, por tanto tempo, com um quadro desolador como o atual. São 13 milhões de desempregados, miséria crescente, queda do PIB capita em termos reais (já descontada a inflação), aumento da violência etc.
A situação só não é pior porque, felizmente, a nação dispõe hoje de uma rede de proteção social que assegura a transferência de alguma renda a quem não tem nada e àqueles que, aos 65 anos, já não possuem capacidade de trabalhar. Ademais, a recuperação do piso das aposentadorias pagas pelo INSS, ocorrida nos últimos 20 anos, também tem ajudado a amortecer os efeitos de uma tragédia anunciada desde 2011.
Naquele ano, o governo Dilma Rousseff, com a conivência inclusive de setores do empresariado e do mercado financeiro, destruiu a política econômica bem-sucedida e herdada de seus dois antecessores e que, em última instância, levou-a à Presidência da República. Um dos efeitos na política foi a eleição de Jair Bolsonaro, o primeiro político de extrema direita a subir a rampa do Palácio do Planalto – até então, os eleitores sempre evitaram votar nos extremos do espectro político.
Apesar da sucessão de crises econômicas vividas desde 1982, quando o país quebrou e o modelo de substituição de importações foi à breca, o Brasil sempre se recuperou rapidamente, do ponto de vista da atividade econômica. Além dos problemas estruturais que impedem que a economia aumente a sua capacidade de crescer, como carga tributária complexa e elevada e excesso de burocracia, uma variedade de choques vem adiando a retomada.
A União vive situação falimentar. Desde 2014, falta dinheiro todo ano para bancar as despesas primárias, isto é, tudo, menos os juros da dívida. As obrigações do Estado só vêm sendo cumpridas graças à elevação da dívida pública, cujo patamar atualmente é o dobro da média das economias emergentes. Estados e municípios, com poucas exceções, estão quebrados.
A crise é tão profunda que ameaça a manutenção do “pacto social” firmado em 1988 por meio da nova Constituição. Desde então, sempre foi dito que a Carta Magna não caberia no PIB e que, portanto, tornaria o Estado brasileiro mastodôntico, um obstáculo ao aumento da produtividade da economia. Tudo isso é verdadeiro, mas não se pode negar que a Constituição de 1988 introduziu na vida nacional elementos civilizadores, como o acesso universal à saúde, a aposentadoria rural, o Benefício de Prestação Continuada (para pessoas de 65 anos em situação de miséria absoluta), o acesso gratuito ao ensino básico e fundamental etc. Isto, sem falar do fim da censura e da inviolabilidade da comunicação de dados.
Objeto de lobby organizado e deletério para a sociedade, alguns dispositivos constitucionais forjaram barbaridades como o direito do funcionário público à estabilidade no emprego e à aposentadoria integral, inclusive daqueles que nunca haviam contribuído para a Previdência, além da nomeação de milhares de servidores que não prestaram concurso público e ocupavam cargos há pelo menos cinco anos (um escândalo sobre o qual pouco se fala em Brasília).
Após a promulgação da Constituição em 1988, os governantes eleitos deveriam ter se dedicado a redefinir as prioridades de suas gestões, para que a Constituição passasse a caber dentro do PIB. Os exageros da Constituição “cidadã”, como Dr. Ulysses Guimarães, maior expoente da política nacional naquele momento, a batizou, poderiam ter sido corrigidos em 1993. Artigo das disposições transitórias do texto constitucional previa revisão cinco anos depois, mas isso jamais aconteceu.
Muitos temiam que, durante a revisão, a caixa de Pandora fosse aberta e, dali, saísse a abolição do pacto civilizador. Outros se preocupavam com a hipótese, igualmente razoável, de que, em vez de tornar os preceitos constitucionais sustentáveis do ponto de vista fiscal, o Congresso Nacional introduzisse privilégios para grupos específicos e, assim, piorasse o que já era ruim.
Mais que a Previdência
A aprovação de uma reforma do sistema de aposentadoria e pensões é um passo fundamental para garantir a volta do crescimento sustentado à economia brasileira. “Contudo, apesar de necessária, a Nova Previdência não garante sequer uma melhora vistosa nos principais indicadores econômicos de curto prazo”, diz Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre-FGV. “Existe a percepção de que mesmo o previsto ciclo de novas reduções da taxa básica de juros (Selic) não será suficiente para tirar a economia brasileira do marasmo em um período de tempo tido como aceitável. Afinal, a população está cansada, pois já vem sofrendo as consequências do péssimo desempenho econômico há alguns anos.”
Os pesquisadores do Ibre debateram recentemente a conveniência da adoção de outras medidas para reanimar a economia. Por isso, o mercado de trabalho entra em pauta. O debate recai na escolha do meio mais eficaz e justo de fazê-lo. O resultado da discussão é tema da Carta de Conjuntura que será divulgada nesta quarta-feira.
A economia política torna esse debate premente. A impaciência da população e, por consequência, do sistema político com a paralisia econômica e o alto desemprego cresce. “Se o Executivo não se mexer, é provável que supostos estímulos fiscais, menos refletidos e coordenados, venham a ser ativados pelo Legislativo – com os resultados já conhecidos de agravamento da crise fiscal e de piora da alocação dos recurso na economia”, diz Schymura.
Crises longevas têm efeitos perversos sobre trabalhadores desempregados, inclusive, os qualificados. Daí, a necessidade de se fazer algo imediatamente, sem esperar pelos efeitos positivos da reforma da Previdência. Seria uma ponte até a materialização das mudanças. (Valor Econômico – 03/07/2019)
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras – E-mail: cristiano.romero@valor.com.br