A Câmara, que vinha tendo um bom diálogo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, graças à intermediação do presidente da Casa, Rodrigo Maia, já está saturada do seu estilo. Tanto quanto ele está agastado, ou apenas teatralmente desacorçoado, depois de dois entreveros e vários outros embates provocados pela impaciência do homem de mercado com os difíceis trâmites da negociação política.
Vários líderes têm cobrado ao ministro um plano para depois da aprovação da reforma da Previdência. O mínimo que se precisa saber é o que vem por ai para resolver outros graves problemas, vez que a reforma da Previdência só está inserida apenas na equação do equilibrio fiscal. O grande drama brasileiro hoje é o desemprego que só terá solução com o crescimento. São as medidas para atingir essa meta que estão na agenda de conversas entre o parlamento e o Ministério da Economia.
A reforma da Previdência, segundo afirmam os interlocutores de Guedes, já tem sua aprovação assegurada. Como dizem no próprio Ministério da Economia, é uma aprovação “precificada”. Terá mais impacto se não for aprovada do que quando for. Os parlamentares de liderança também consideram a Previdência resolvida, há uma convicção generalizada e crescente que poucos hoje reagirão a ela.
Com essa constatação, líderes foram ao ministro perguntar, mais de uma vez: “Guedes, qual o plano?” Ou seja, o que o governo fará para resolver os demais problemas que não são o ajuste fiscal? Constatam que o governo, mesmo no superministério, continua sem saber a que veio e para onde vai. O presidente Jair Bolsonaro, repetem os líderes, não sabe governar nem articular-se com os demais Poderes e por isso exige, com suas forças de pressão, que lhe deem de mão beijada e a custo zero o que precisa.
E o que responde Guedes, segundo relatos dos interessados em ouvi-lo: “Não temos nada ainda, vamos ver, vamos ver”. Como dizem seus interlocutores mais frequentes, o ministro da Economia já “pediu estudos”, outro expediente que usa muito no diálogo cotidiano para empurrar para a frente a definição de medidas que ainda não tem.
A ele foi explicado que a venda de armas e a agenda de costumes não resolve os problemas do Brasil. São manobras de distração, a agenda de entretenimento enquanto não se tem um plano.
O governo não se esforça para ter maioria no Congresso, ao contrário, sua base natural é menor do que a minoria, grupo de partidos de oposição que reune os de esquerda e alguns pequenos que não são tão hostis ao governo mas têm a força que vier a ter a minoria, como, por exemplo, a da obstrução. O PT, o PSB, o PDT, o Podemos, o Patriota, o Novo que, aliás, a cada situação muda seu pensamento e até agora não se sabe exatamente onde situá-lo, estão nesse grupo. O governo é menor, em tamanho, do que a minoria. Na maioria estão os partidos do Centrão mais o MDB, o DEM, o PSDB e outros tantos que totalizam cerca de 305 deputados.
O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, desde ontem encarregado da redação do pacto a ser assinado pelos três Poderes em torno da agenda restrita do governo – reforma da Previdência e tributária, pacote anticrime – de vez em quando vai ao Congresso conversar com líderes, sentir o clima, mas não tem se mostrado confiável para uma negociação, pois o governo não sabe o que quer. Tal como o presidente da República, o chefe da Casa Civil e articulador político fala uma coisa de manhã e outra bem diferente à tarde.
Os deputados e senadores governistas, ou que aprovam os pleitos do governo, precisam correr atrás da última versão para saber o que fazer. Segundo os especialistas no manejo do plenário, essa não é uma tarefa fácil. Possivelmente é a mais difícil das atividades do Parlamento. Como o governo não governa, não tem um plano, as três questões do pacto foram reunidas aproveitando os temas de seu teste nas ruas no domingo, ninguém sabe o que dar, de fato, a Jair Bolsonaro. Assim, justifica-se a pergunta ao ministro Guedes: se a Previdência for aprovada hoje, qual o interesse do governo na manhã seguinte?
“Estamos vendo, estamos vendo”, repete o superministro.
Ninguém nega a importância da aprovação da reforma da Previdência, cujo apoio já é majoritário, segundo a contabilidade de governistas. Se ainda não é, falta pouco. É fundamental. Mas só ela não resolve o crescimento, o emprego, todo o desequilíbrio fiscal. É preciso ter um conjunto de propostas que sigam paralelas para que os líderes não tenham que voltar lá atrás, no ponto zero, com um plenário já adiantado e esquentado pela reforma da Previdência e suas negociações.
Previdência, para o ajuste de contas, junta-se às medidas provisórias e decretos, editados às dezenas, para tirar a impressão de paralisia. Para o Congresso constituem agressão, invasão de atribuições.
Em avaliações feitas na Câmara, há o entendimento de que a causa do impacto na economia, que leva ao não crescimento e ao aumento do desemprego, é a desarrumação política, provocada pelo próprio governo. Quando isso fica claro, investidores se retraem e não entram no jogo, por desconfiança. Já foi gasta a expectativa positiva com relação ao governo Bolsonaro, prevista para durar 100 dias. Como nada aconteceu, os simpatizantes refluíram. Em lugar de tomar providências urgentes de governo, o presidente Bolsonaro acabou promovendo um reforço no apoio a ele do seu eleitorado, convocando-o a explicitar a aprovação nas ruas. Um movimento significativo, mas não o suficiente para levantar a gestão. Se não houver resposta, o passo seguinte será a desmobilização, inclusive dos empresários bolsonaristas, do setor produtivo. Há um risco enorme de criar-se um círculo vicioso, com demissões e mais desemprego.
Sem atrasar a Previdência, os principais partidos, na Câmara, defendem que sejam impulsionados, ao mesmo tempo, a reforma tributária, atos de regulação de vários setores, acordos de parcerias público-privadas nos municípios, uma reforma que realmente corrija o guloso e viciado sistema tributário, considerada a grande frustração dessa geração de políticos.
Iniciativas que levem o Estado a entregar à população educação, saúde, segurança, transporte público. Guedes, na visão de líderes, não tem planos para nada disso. Ao defini-lo, seus interlocutores fazem uma caricatura, carinhosamente: “É o vendedor de rede na praia do Nordeste”. O freguês fica satisfeito com o que ouve, o discurso é bem construído, mas há muita coisa que não se faz no espaço de um governo, como a capitalização, por exemplo. O resultado é a confusão dos sonhos com a realidade. (Valor Econômico – 29/05/2019)
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras – E-mail: rosangela.bittar@valor.com.br