Fundo Amazônia – Patrocinadores advertem contra mudanças
PATRIK CAMPOREZ – O GLOBO
Após dez dias de tensão, o governo federal sentou-se à mesa ontem com os doadores do Fundo Amazônia, que tem em sua carteira cerca de R$ 1,8 bilhão para projetos de uso sustentável da floresta. De um lado, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que defende diversificar os usos da verba, contemplando iniciativas como a regularização fundiária e zoneamento econômico ecológico, que define áreas prioritárias para produção e proteção.
Do outro, embaixadores da Noruega e Alemanha, principais patrocinadores do fundo e que querem ver todo o dinheiro aplicado na conservação da mata.
A reunião também contou a presença do ministro do Santos Cruz (Secretaria de Governo) e durou mais de uma hora. Diante do impasse, Salles afirmou que só editará um novo decreto que alteraria as normas do Fundo Amazônia quando houver um consenso.
Entidades da sociedade civil temem que, com o novo texto, o ministro modifique o comitê que estabelece diretrizes e critérios para aplicação dos recursos, reduzindo o número de representantes do terceiro setor.
— Os embaixadores, muito solícitos, manifestaram suas preocupações, questionamentos e ponderações — relatou Salles. — Tenho certeza de que esse diálogo produtivo vai trazer bons resultados. Nós vamos debater com os governos dos dois países o aprimoramento do fundo. O decreto será formulado depois que tivermos claro quais pontos são de comum acordo, de interesse de todas as partes envolvidas, e aí será firmado pelo presidente —explicou.
A embaixada alemã em Brasília informou que caberá ao Ministério do Meio Ambiente em Berlim decidir sobre a permanência ou não no Fundo, o que deve acontecer em breve. O governo da Alemanha ficou descontente com a manifestação de Salles de alterar o destino das verbas sem comunicar os países doadores.
De acordo com a embaixada, “cancelar o fundo teoricamente é uma opção, mas não é a opção desejada”. A saída dos alemães poderá acontecer se o governo brasileiro usar os recursos em outra finalidade que não seja a preservação “objetiva” da floresta.
Em entrevista à Globo News, Salles voltou a defender que parte dos recursos do Fundo Amazônia seja destinada a indenizar donos de propriedades privadas localizadas dentro das unidades de conservação. No entanto, o Observatório do Clima indicou que, na Amazônia, a maioria das terras é pública, e que os ocupantes de terras protegidas são grileiros, que não teriam direito à indenização.
MONITORAMENTO
O ministro também anunciou sua intenção de fazer um projeto-piloto em áreas com maior índice de desmatamento, melhorando o sistema de imagens e alertas. Mas o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais já administra o Deter, um sistema de detecção do desflorestamento em tempo real.
Em janeiro, Salles ignorou a existência da tecnologia e anunciou que investiria R$ 100 milhões em um sistema com a mesma finalidade. Seria, segundo disse à época ao G1, uma iniciativa para o fiscal do Ibama ir para “onde o sistema manda ir, não para onde quer’.
Ontem, o Diário Oficial divulgou o grupo de trabalho de servidores do MMA, Ibama e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que participarão de um comitê que avaliará as multas impostas por fiscais ambientais. Os membros devem promover audiências de conciliação ambiental. A iniciativa, segundo críticos da medida, daria maior impressão de impunidade e abriria caminho para o avanço do desmatamento. (Colaborou Renato Grandelle)
O HISTÓRICO DO FUNDO
1. Uma iniciativa contra o desmatamento
O Fundo Amazônia foi criado em 2008 para financiar ações de conservação e combate à devastação da floresta. Recebeu, até hoje, R$ 3,3 bilhões — 99,5% são doações de Alemanha e Noruega. O restante vem da Petrobras.
2. Luta contra as mudanças climáticas
Entre 2004 e 2009, a taxa de desmatamento da Amazônia caiu 73%, despencando a emissão de gases estufa. Um relatório divulgado pela ONU em 2014 afirmou que os esforços do Brasil para retardar o aquecimento global “não têm precedentes”.
3. Quem mais busca recursos
O Fundo apoia atualmente 103 projetos, que têm diferentes origens. São de governos estaduais da Amazônia, órgãos federais (entre eles, Embrapa, Inpe, Ibama e Serviço Florestal Brasileiro), instituições de pesquisa e organizações da sociedade civil
4. O que está sendo monitorado
Cerca de 350 instituições são apoiadas diretamente e por meio de parceiros pelas verbas do Fundo. Os projetos estão presentes em 190 unidades de conservação e cobrem cerca de 65% das terras indígenas da Amazônia.
5. ‘Puxão de orelhas’ da Noruega
Diante da alta dos índices de desmatamento por cerca de três anos, o governo norueguês anunciou, em junho de 2017, que reduziria os repasses ao Fundo Amazônia. A última doação antes da declaração havia sido de R$ 330 milhões; a seguinte foi de R$ 139 milhões.
6. Intervenção do governo Bolsonaro
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles contestou recentemente a atual gestão dos recursos do fundo. As embaixada da Noruega e da Alemanha, porém, declararam apoio ao mecanismo de escolha dos projetos contemplados com verbas.