Pedro Cafardo: Como cordeiro, economia caminha para a recessão

Será que o título acima retrata a realidade? Estaria a economia caminhando mesmo para uma nova recessão? Os mais pessimistas acham que sim. Os demais balançam a cabeça, preocupados. Fato é que os indicadores mais recentes não animam ninguém. Vamos citar três. O índice IBC-Br, prévia do PIB calculada pelo Banco Central, mostra que a economia apresentou queda de 0,73% de janeiro para fevereiro. No primeiro trimestre, o faturamento da indústria caiu 5,1% na comparação com o mesmo período de 2018, e a produção, 2,2%. Em abril, o índice da CNI que mede a expectativa do consumidor recuou 1,4 ponto em relação a dezembro.

O economista José Luis Oreiro estima que a atual trajetória de recuperação é a mais lenta desde 1981. Ele ataca o Banco Central. Diz em artigo em seu blog que o BC precisa assumir sua responsabilidade com o atual comportamento da economia e reiniciar o processo de redução da taxa Selic. Sugere que essa atitude precisa ser tomada imediatamente, porque pode ficar “tarde demais para salvar 2020”.

Oreiro observa que “não é mais possível nem desejável” esperar pela aprovação da reforma da Previdência para dar o estímulo monetário adicional que a economia brasileira precisa para não cair novamente em recessão.

Pelos cálculos desse professor da UnB, a economia brasileira está 4,3% abaixo do produto potencial, ou seja, do nível máximo de produção que pode ser mantido sem que se verifiquem pressões inflacionárias. Isso significa, diz o economista, um desperdício de recursos da ordem de R$ 315 bilhões por ano. Se a economia estivesse hoje operando no seu nível do produto potencial, a receita tributária do setor público consolidado teria um acréscimo de mais de R$ 90 bilhões em relação à previsão para 2019, ou 64% do déficit primário estimado para o ano, de R$ 139 bilhões. O efeito fiscal, portanto, seria de mais de R$ 900 bilhões em dez anos, quase igual ao da reforma da Previdência.

“Hiato de produto” é o nome pomposo que os economistas dão a essa deficiência de produção do país. O hiato de 4,3% é um sintoma de insuficiência grave e crônica de demanda.

Por que isso ocorre? Na opinião de Oreiro, principalmente porque a política monetária brasileira tem se mostrado “insuficientemente estimulativa”. Embora o Banco Central tenha feito uma redução bastante significativa da taxa básica de juros, tanto em termos nominais quanto reais, desde o fim do segundo semestre de 2016, o valor da “taxa neutra” de juros também se reduziu nesse período. “Taxa neutra” é o valor da Selic suficiente para manter a inflação estável, valor que foi reduzido no período em razão da contenção do consumo das famílias provocado pelo desemprego.

Em outras palavras, a redução da Selic se deu ao mesmo tempo em que a “taxa neutra” também caía, o que diminuiu significativamente o impacto do estímulo monetário para a economia.

Oreiro usa uma metáfora relacionada com a medicina. Supõe que a economia brasileira é um paciente sofrendo de bradicardia, ou ritmo cardíaco insuficiente. Ao mesmo tempo, o paciente tem um problema de obesidade mórbida, que a equipe médica pretende resolver por meio de uma cirurgia bariátrica. A obesidade é, de fato, um problema, mas a cirurgia não pode ser realizada sem antes resolver o quadro de bradicardia.

A economia brasileira, portanto, estaria com bradicardia, ou seja, estagnada e com baixo ritmo de produção. É preciso reanimá-la urgentemente, para depois fazer a reforma da Previdência (a cirurgia bariátrica), e não o contrário, como se está propondo.

O efeito da reforma da Previdência será importantíssimo para o país no médio e longo prazo. Principalmente se forem aprovadas medidas que reduzam privilégios insustentáveis. O déficit per capita da Previdência dos servidores públicos, por exemplo, foi de R$ 95,1 mil em 2018 – atingiu R$ 95,1 bilhões para cerca de 1 milhão de aposentados e pensionistas. Enquanto isso, o déficit per capita do regime geral ficou em apenas R$ 6,5 mil – R$ 195,2 bilhões para 30 milhões de aposentados e pensionistas.

No curto prazo, porém, a aprovação da reforma terá efeito motivacional, sustentam os economistas em geral. Espera-se que, diante da expectativa de um provável equilíbrio das contas públicas nos próximos anos, os investidores, principalmente estrangeiros, se animem para apostar no Brasil.

Chama a atenção, entretanto, a falta de empenho para desenhar propostas de programas que estimulem o crescimento econômico, como se isso vá ocorrer por geração espontânea tão logo a reforma da Previdência seja aprovada e o déficit público reduzido. De prático, há promessas de medidas e apoio a concessões de serviços.

Em mais um artigo no Valor, o economista André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real, escreveu sobre o que chamou de “superstição do déficit”. Peço antecipadas desculpas ao economista por citar superficialmente seu texto, que é bastante técnico. Mas em trechos que podem ser entendidos por simples mortais, Lara Resende cita Paul Samuelson para dizer que a crença de que seria sempre preciso equilibrar o orçamento fiscal é uma superstição, um mito. Sua função seria mais ou menos a mesma das religiões primitivas: assustar as pessoas para que elas se comportem de maneira compatível com a vida civilizada.

Na conclusão de seu artigo, Lara Resende sustenta que é preciso dar fim à superstição do orçamento equilibrado. Ele considera que os governos precisam gastar bem. E faz um comparação: “Sustentar o mito do orçamento equilibrado porque não se confia que o país seja capaz de resistir à tentação dos gastos irresponsáveis não é diferente de defender a burca porque não se confia no comportamento das mulheres”.

Isso é só um aperitivo. Para quem ainda não leu, o artigo de Lara Resende, recomendado mesmo aos não economistas, está no site do Valor. (Valor Econômico – 07/05/2019)

Pedro Cafardo é editor-executivo do Valor – E-mail: pedro.cafardo@valor.com.br

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