Veja as manchetes e editoriais dos principais jornais hoje (11/04/2019)

MANCHETES

O Globo

Obras contra deslizamento estão paradas em 31 favelas
Weintraub nomeia secretários sem experiência no MEC
Punição mais suave no trânsito é alvo de críticas
Capitalização deverá manter aporte do patrão
Direita vence, e Netanyahu deve ter 5º mandato

O Estado de S. Paulo

Governo vai propor fusão de impostos e menos encargos
Planalto age para blindar MP que reduz ministérios
Independência do BC vai hoje ao Congresso
Petrobrás prepara venda de até 30% da BR
Hábito saudável evitaria 63 mil mortes por câncer
Reeleição de Bibi reforça elo com Trump

Folha de S. Paulo

Maioria se opõe a propostas do governo para segurança
Articulação será assumida por Bolsonaro, dizem partidos
Ministro declara que vai provar não ter criado laranjas
Inflação sobe em março puxada por alimento e gasolina
Estados em crise parcelam salários e cortam até telefone
Netanyahu vence e já é chamado a se defender em Israel
Europeus concordam em adiar prazo do brexit para 31 de outubro

Valor Econômico

Novo projeto do governo proporá autonomia do BC
Bolsonaro vai anistiar agronegócio
Clínica popular vive momento de dificuldades
Ex-líder no café, Terra Forte entra em recuperação
Na infraestrutura, uma promessa
Debate político volta a animar as faculdades

EDITORIAIS

O Globo

Tragédia expõe falta de prevenção e planejamento

Prefeitura do Rio não gastou um centavo este ano com obras de contenção de encostas

Há muitos protocolos de emergência que podem ser acionados para reduzir os impactos de temporais sobre a população — protocolos esses que foram ignorados pela prefeitura nas chuvas de segunda e terça-feira, deixando os cariocas largados à própria sorte. Por outro lado, quando surgem os primeiros sinais de tempestade, em geral é tarde demais para tomar algumas medidas que dependem de planejamento, tempo e continuidade administrativa, fatores que costumam provocar ojeriza nos políticos. A sobras de combate a enchentes e contenção de encostas são uma dessas medidas.

Podem salvar vidas e evitar transtornos para a população, mas costumam ser deixadas de lado, potencializando tragédias. É o que aconteceu no Rio, onde dez pessoas morreram em consequência do último temporal. Não há dúvida de que os índices pluviométricos foram excepcionais — os mais altos dos últimos 22 anos —, mas os impactos serão maiores ou menores dependendo do que é feito para preveni-los ou ao menos minimizá-los. Alguns números ajudam a entender a letalidade dos últimos temporais — o anterior, em fevereiro, deixou sete mortos. Como mostrou reportagem do GLOBO, este ano a prefeitura não investiu um centavo sequer em drenagem (desobstrução de bueiros, manutenção de redes pluviais etc.) e contenção de encostas.

De acordo com dados do Rio Transparente, os R$ 12,6 milhões liberados nos primeiros quatro meses de 2019 foram usados para pagar dívidas do ano passado. No que diz respeito ao combate a enchentes, foram gastos apenas R$ 208,3 mil. Pode-se imaginar que se já falta de recursos. Afinal, estado se municípios estão com caixas depauperados. Mas não parece ser o caso. O Ministério do Desenvolvimento Regional informou, na terça-feira, que a prefeitura do Rio tem R$ 110 milhões disponíveis do PAC para contenção de encostas. Não os utilizou porque não apresentou projetos.

Outros números confirmam o pouco caso com a prevenção. Em 2016, a prefeitura gastou R$ 62 milhões em contenção de encostas. No ano seguinte, o valor caiu a menos da metade (R$ 27,4 milhões). Em 2018, subiu para R$ 35,7 milhões, ainda bem abaixo do de 2016. É claro que ações emergenciais durante temporais são importantíssimas. Mas elas serão mais bem-sucedidas se forem precedidas por medidas de prevenção. Como dragagem de rios e canais, desobstrução e limpeza de galerias de águas pluviais, intervenções em pontos de alagamentos, remoção de moradores que vivem em áreas de risco e contenção de encostas, por exemplo.

Cabe lembrar que eram tantas as inundações na Praça da Bandeira que o lugar ganhou o apelido de Praça da Banheira. Mas a situação foi revertida com a construção de piscinões. Ou seja, mesmo mazelas crônicas do Rio podem ser superadas. Para isso, é preciso planejamento e investimentos. A engenharia tem solução para muitos desses problemas. Menos para a inércia.

O Globo

Ineficaz e com gastos milionários, a Apex só serve ao loteamento político

Agência de suposta promoção do Brasil no exterior continua a ser exemplo de clientelismo

Sucessivas crises ajudaram a expor nos últimos cem dias a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). Em nenhum dos episódios, alguns tragicômicos, a motivação foi a defesa do interesse público. A Apex nasceu há 16 anos como apêndice numa política comercial até hoje mal esboçada, fragmentada e ineficaz. Tem sido motivo de disputas políticas constantes, do governo Lula ao de Jair Bolsonaro.

A ambiguidade dessa agência estatal, hoje abrigada no Ministério das Relações Exteriores, surgiu na lei que a criou (10.668/2003) e se reflete no próprio estatuto, onde sua função é descrita numa única frase de 89 palavras, com abrangência equivalente à de um programa de governo. No papel, ela cuida de “promoção” das exportações e dos investimentos, assim como da “pesquisa, formação, capacitação, competitividade e desenvolvimento” de indústria, comércio, serviços, tecnologia e agricultura, em todos os quadrantes do planeta, não importando a dimensão da empresa, pública ou privada.

Na realidade, não passa de mais um organismo inoperante com gastos milionários, mais de 300 cargos no Brasil e no exterior, cobiçados porque bem remunerados, e com uma atividade muitas vezes superposta à de vários departamentos ministeriais. Mantém uma rede de escritórios que começa no Brasil e se estende por Colômbia, EUA, Cuba, Angola, Bélgica, Emirados Árabes Unidos, Moscou e Pequim. A Apex consome mais de R$ 600 milhões por ano — valor similar ao de um programa contra enchentes no Rio, por exemplo. Esse dinheiro tem origem em um tributo pago por todas as empresas sobre as folhas salariais.

A receita é garantida e crescente, a despeito do ciclo de aguda recessão, de consequências na vida de 13,5 milhões de desempregados. O avanço da Apex contrasta, por exemplo, com o declínio nas exportações de produtos industriais, de maior valor agregado. Em 2000, a comercialização de manufaturados somava 59% da receita total das vendas externas. A Apex surgiu em 2003. Hoje, esses produtos representam 36% do total exportado. Evidentemente, esse retrocesso não pode ser debitado exclusivamente da conta da agência. Mas realça sua ambiguidade e disfuncionalidade.

Sua história retrata um fracasso governamental e é, cada vez mais, representativa daquilo que parece unir Bolsonaro ao antecessor Lula: a sedução pelo loteamento político do governo por conveniências ideológicas, religiosas e partidárias, sem observância do interesse público. Acabar com a Apex pode ser um recomeço.

O Estado de S. Paulo

O pulo da inflação

O salto da inflação em março, quando os preços ao consumidor subiram 0,75%, puxados por alimentação e transportes, pode ser um desvio temporário, mas é um motivo a mais para o governo se preocupar com as expectativas. Por enquanto o bom humor parece prevalecer no mercado, apesar da surpresa negativa. Ninguém havia previsto uma alta superior a 0,67% na pesquisa habitual da Agência Estado. Mesmo diante do número pior que o esperado, economistas do mercado mantêm, no entanto, a aposta numa inflação mais branda nos próximos meses e um resultado final próximo da meta em 2019.

Há até quem preveja um novo corte dos juros básicos pelo Banco Central (BC) antes do fim do ano. Essa expectativa é um dos aspectos mais positivos da economia brasileira neste momento. É essencial preservá-la. À primeira vista há algo assustador na recente aceleração do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a mais importante medida oficial da inflação, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A alta de 0,75% foi a maior para um mês de março desde 2015, quando a variação chegou a 1,32%. Naquele tempo, o Brasil sofria os efeitos da irresponsabilidade fiscal do governo da presidente Dilma Rousseff.

Além disso, os aumentos haviam disparado, depois de uma desastrosa fase de contenção política das tarifas de eletricidade. O choque de seriedade a partir da troca de governo, em 2016, permitiu conter a inflação e baixar os juros básicos ao menor patamar da história da taxa Selic, de 6,50% ao ano. A alta do IPCA no mês passado pode parecer, sem maior análise, uma nova perda de rumo, mas os fatos, tudo indica, são muito menos preocupantes. Com o salto da inflação mensal de 0,43% para 0,75%, a variação acumulada em 12 meses passou de 3,89% em fevereiro para 4,58% em março e ultrapassou a meta de 4,25% fixada para 2019.

Mas a maior parte do resultado de março é explicável pela alta de apenas dois grupos de preços, alimentação e transportes. O custo da alimentação subiu 1,37%. O dos transportes, 1,44%. Considerados os pesos desses itens no orçamento médio das famílias, a alta dos preços da comida teve impacto de 0,34 ponto de porcentagem no resultado geral. O outro item produziu um efeito de 0,26 ponto. Somados, esses dois grupos seriam suficientes para gerar uma inflação de 0,60%, pouco faltando, portanto, para completar a variação de 0,75% do IPCA do mês.

A diferença de 0,15 ponto decorreu de variações muito pequenas dos demais itens – saúde, vestuário, habitação, educação, artigos de residência, despesas pessoais e comunicação. Nada parece indicar, portanto, mais que um desvio passageiro da trajetória do IPCA. Os preços da alimentação tendem a acomodar-se, com a melhora das condições de tempo. O custo dos transportes, em boa parte determinado pelos preços dos combustíveis, é sujeito a oscilações determinadas basicamente pelas cotações internacionais do petróleo. Além disso, algum aumento passageiro da inflação já havia sido antecipado pelo BC e indicado na ata da última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária.

A surpresa foi a magnitude da variação do IPCA, fora do intervalo previsto por economistas do mercado. Não há, por enquanto, sinal de pressão da demanda sobre os preços ao consumidor, e também isso é um dado positivo. As famílias, como observou o gerente das pesquisas de preços do IBGE, Fernando Gonçalves, continuam gastando com muita cautela, por causa das incertezas quanto ao emprego. Sem pressão de demanda, há espaço para o BC manter a taxa básica de juros de 6,50%. Há quem preveja até um corte, mas para isso seria necessária alguma ousadia. Espaço para queda de juros dependerá de expectativas ainda melhores quanto aos preços.

O governo precisará mostrar seriedade e capacidade e avançar na reforma da Previdência para animar o mercado. Simetricamente, falhas do governo derrubarão a confiança e favorecerão a alta de preços, como tem advertido o BC. O presidente Jair Bolsonaro deveria levar a sério essa advertência.

O Estado de S. Paulo

A valorização do professor

O progresso do Brasil passa por um novo olhar sobre a educação. O País permanecerá em estado de atraso crônico até que uma política educacional moderna e assertiva seja vista como o impulso para o salto de desenvolvimento cultural, político, econômico e social há muito ansiado pela sociedade. Pensar na educação como a chave para o progresso do País significa pensar na valorização dos professores, seja nas salas de aula, seja fora delas. Segundo o relatório Global Teacher Status 2018, elaborado pela Varkey Foundation, ONG voltada a estudos na área de educação, o prestígio da profissão de professor no Brasil é o pior entre os 35 países avaliados.

A escala de avaliação vai de 1, a nota mais baixa, a 100, a mais alta. O Brasil obteve apenas um mísero ponto. A China foi a única nação que obteve a pontuação máxima, seguida por Malásia (93,3) e Taiwan (70,2). A pontuação do Brasil no Global Teacher Status 2018 é menor do que a obtida na pesquisa anterior, realizada em 2013. Naquele ano, o País obteve 2,4 pontos e só não foi pior do que Israel, com 2 pontos. Neste quinquênio que separa uma avaliação e outra, o Brasil perdeu 1,4 ponto e tomou a posição inglória de Israel, que conseguiu subir 4,6 pontos. Um dado interessante da avaliação feita pela Varkey Foundation é que o prestígio do professor nada tem a ver com a remuneração média da profissão nos países pesquisados.

Evidente que é fator de prestígio pagar ao professor um salário que o permita viver com dignidade e desenvolver cada vez mais conhecimentos e habilidades para aplicar em sala de aula. Contudo, uma boa remuneração, por si só, não basta para o professor se sentir prestigiado. Na China, líder do ranking de prestígio, o salário médio anual de um professor é de US$ 12.210. É menos do que recebe um professor no Brasil (US$ 12.993 por ano). A Suíça é o país onde se paga o maior salário médio anual ao professor (US$ 77.491), mas o país é apenas o oitavo no ranking de prestígio dos professores.

Outra informação relevante trazida pelo relatório é a correlação entre o prestígio dos professores e o desempenho dos alunos no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês). O Brasil obteve 28 pontos no Pisa 2015, uma das piores pontuações entre os 58 países avaliados. A escala vai de 1 a 35, sendo esta última a pior nota que um país pode obter na avaliação. O que organizações internacionais aferem em provas e pesquisas como as que foram feitas pela Varkey Foundation e a OCDE, à qual o Pisa está vinculado, traduz-se também em avaliações feitas aqui no País.

São poucas as famílias brasileiras que não se sentem angustiadas quando os filhos manifestam a intenção de se tornar professores. Pesquisa feita pelo movimento Todos Pela Educação no ano passado mostrou que quase a metade dos docentes do País – 49% – não indicaria a carreira para um jovem. Entre as razões que foram apuradas estão os baixos salários e a desvalorização da profissão. O Todos Pela Educação ouviu 2.160 professores que atuam na educação básica em todo o País. É desalentador constatar que justamente os mais experientes – que têm de 11 a 30 anos de carreira – são os mais céticos ao recomendar a profissão de professor para os jovens.

Que país seremos, não num futuro remoto, mas já, em poucos anos, se nada for feito para reverter esta triste percepção? A desvalorização da carreira e o desprestígio do professor se manifestam ainda dentro das próprias salas de aula. São assustadores os relatos de violência física e moral contra os docentes praticada pelos próprios alunos ou por seus pais e responsáveis. Professores da rede pública de educação em muitos Estados e municípios engrossam a lista de servidores afastados por problemas de saúde a cada ano.

A força do vínculo entre professores e alunos é indicativa do estágio civilizatório de determinada sociedade. Ser professor no Brasil é um ato de abnegação. Não deveria ser apenas isso.

O Estado de S. Paulo

O humor do Congresso

Não são somente as cenas lamentáveis de tumulto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, no início formal da tramitação da reforma da Previdência, que prenunciam dificuldades para o andamento da proposta do governo no Congresso. E essas dificuldades não partirão exclusivamente da oposição, embora esta, como esperado, tenha se comportado como se estivesse numa assembleia estudantil. O maior problema está no relacionamento entre o governo e os parlamentares – a maioria dos parlamentares.

A desarticulação do governo no Congresso ficou mais uma vez patente na sessão da CCJ, em que foi lido o parecer do deputado Marcelo Freitas (PSL/MG), relator da proposta na comissão. A inexperiência de parte dos deputados governistas dá brechas para manobras e manhas dos opositores, mas, mesmo diante do noviciado desses eleitos na onda da “nova política”, seria possível ter um desempenho melhor, bastando que o governo e seus operadores políticos sinalizassem disposição para formar um bloco coeso de apoio. Hoje, ao contrário, é cada um por si.

O presidente Jair Bolsonaro parece ter afinal percebido esse problema e, nos últimos dias, deu sinais de que pretende construir pontes mais sólidas com os partidos que podem lhe dar sustentação no Congresso. O presidente reuniu-se com dirigentes de partidos e prometeu ouvir suas demandas com mais frequência, em troca de engajamento em favor da reforma da Previdência. É necessário, contudo, ter um representante do governo capaz de funcionar como interlocutor permanente com os líderes de bancadas na Câmara.

Esse interlocutor, pelo organograma da Presidência, deveria ser o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, mas, a ver pelas manifestações públicas de descontentamento com sua atuação expressadas por muitos parlamentares, as coisas não estão bem postas. Considerando-se o histórico de indisciplina partidária, de nada adiantará o presidente estender a mão aos dirigentes dos partidos e descuidar do contato direto do governo com as bancadas. É ali, no dia a dia da Câmara, que reside a maior insatisfação com o distanciamento do Palácio do Planalto. Uma pesquisa feita pela XP Investimentos com deputados federais mostra o tamanho do problema.

A enquete, que ouviu 201 dos 513 deputados – 60 da oposição e 141 governistas – entre 26 de março e 4 de abril, indica que, para 55% dos entrevistados, o relacionamento entre Executivo e Legislativo é “ruim” ou “péssimo”. Apenas 16% disseram considerar a relação “ótima” ou “boa”. Pesquisa idêntica feita em fevereiro mostrava números inversos: 57% avaliavam a relação como positiva, enquanto apenas 12% entendiam que era negativa.

Ou seja, em um curtíssimo prazo, houve uma profunda deterioração da percepção dos deputados sobre o modo como o governo trabalha com o Congresso, e é plausível supor que foi em razão dessa crescente insatisfação que o presidente Bolsonaro decidiu ceder e se aproximar dos dirigentes partidários. É provável que a iniciativa de Bolsonaro ajude a melhorar a atmosfera na Câmara, mas aparentemente o presidente e seus operadores políticos terão de se empenhar um pouco mais se quiserem transformar o governismo dos deputados em votos a favor da reforma da Previdência.

O momento para isso não poderia ser mais oportuno. A mesma pesquisa indica que 76% dos deputados entrevistados consideram necessário reformar a Previdência (eram 77% e 79% nas duas pesquisas anteriores). Para 68%, a aprovação da reforma vai melhorar as perspectivas para a economia. Se o governo insistir na via da distensão em sua relação com o Congresso, crescerão substancialmente as chances de que a reforma passe, ainda que sofra mudanças em relação ao projeto original.

A esta altura, dadas as incertezas geradas pelas seguidas trapalhadas do governo, a aprovação da reforma da Previdência mesmo em uma versão desidratada terá o condão de desanuviar o ambiente, abrindo caminho para que sejam encaminhadas outras mudanças urgentes para finalmente destravar a economia do País.

Folha de S. Paulo

80 tiros

Exército deve explicações e providências urgentes a respeito da ação hedionda que matou um homem no Rio, com violência brutal e sem motivo aparente

“Tudo indica que houve o fuzilamento do veiculo de uma família de bem indo p ara um chá de bebê. Uma ação totalmente desproporcional e sem justificativa.”

A afirmação, sobre a execrável ação militar que matou o músico Evaldo Rosa dos Santos, no domingo (7), no Rio, foi feita pelo delegado Leonardo Salgado, da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil, responsável pela perícia no local.

Constatou-se o disparo de mais de 80 tiros e nenhuma arma foi encontrada com os ocupantes do automóvel atacado — entre os quais o filho da vítima, de 7 anos.

Tentou-se, de início, acobertar a barbárie. A primeira versão divulgada alegava uma fantasiosa reação defensiva ao que teria sido uma investida de bandidos armados.

Uma nota do Comando Militar do Leste dizia, ainda no domingo, que a patrulha havia se deparado com um assalto e que dois criminosos dentro de um veículo dispararam. O grupo, então, teria respondido à “injusta agressão”.

Encarregado das investigações, o Exército, a seguir, curvou-se às evidências, e a farsa teve de ser abandonada. Foram identificadas contradições nos relatos e dez militares foram afastados e detidos em flagrante. O processo, contudo, correrá na Justiça Militar.

A hedionda ocorrência exemplifica os riscos, que esta Folha tem apontado com insistência, de as Forças Armadas exercerem papel de polícia. Devido à demanda de governantes, a instituição, cu-j a função precípua é a defesa nacional, viu-se nos últimos anos cada vez mais envolvida em operações de combate ao crime.

O caso mais ostensivo foi a intervenção federal determinada pelo então presidente Michel Temer (MDB) na área de segurança do estado do Rio, em fevereiro de 2018.

Liderada pelo Exército, a operação obteve resultados pífios, com melhorias pouco consistentes de alguns indicadores e um preocupante incremento de mortes causadas por policiais e militares.

A escalada do banditismo no país serviu para alimentar ilusões quanto à capacidade dos militares de enfrentar o problema. Paralelamente, prosperou em alguns estratos a disposição de apoiar ações violentas por parte da polícia.

Esse ânimo foi perfeitamente captado em 2018 pelo então candidato Jair Bolsonaro (PSL), que chegou à Presidência repetindo um gesto que mimetiza o uso de armas e declarando-se partidário do confronto com o crime.

Postulantes vitoriosos nas disputas estaduais, como João Doria (SP) e Wilson Witzel (RJ) — principalmente este — também embarcaram na defesa da linha-dura.

Tal pregação está longe de constituir uma política racional e eficaz de segurança pública, entretanto. Polícias decerto devem ser fortalecidas, mas isso significa maior uso de inteligência e tecnologia, não tolerância a abusos.

Quanto ao Exército, no caso em tela, cumpre ao menos apresentar providências urgentes a respeito dos envolvidos na ação escabrosa.

Folha de S. Paulo

A maior eleição do mundo

Terá início nesta quinta (11), na índia, o maior exercício democrático jamais visto no planeta. Cerca de 900 milhões de pessoas — de uma população de 1,3 bilhão — poderão votar ao longo de quase 40 dias para renovar o Parlamento e, assim, encaminhar a escolha do novo primeiro-ministro do país.

O dilatado prazo do pleito, dividido em sete fases, é fruto dos imensos desafios logísticos da operação. Os eleitores falam 22 línguas oficiais e centenas de dialetos; estão espalhados por um território que compreende de vilarejos nos pés do Himalaia a megalópoles, passando por arquipélagos e comunidades tribais sem eletricidade.

Uma peculiaridade da legislação indiana adiciona ainda mais complexidade ao processo. Nenhum cidadão deve se deslocar mais do que 2 km para votar — e isso no país com a sétima maior área do mundo. Para dar conta desse cenário, serão utilizadas 800 mil urnas eletrônicas e 11 milhões de funcionários e agentes de segurança.

As pesquisas dão ligeira maioria à coalizão liderada pelo BJP, partido do premiê Narendra Modi. Segundo as sondagens, ela deverá conquistar 273 dos 543 assentos em disputa —apenas um a mais do que o necessário para governar.

Se confirmado, o resultado ficará muito aquém do colhido em 2014, quando o grupo de Modi preponderou com mais de 330 cadeiras. O partido do Congresso, principal oponente do BJP, deverá dobrar de tamanho e alcançar 141 vagas.

Premido pela alta do desemprego e pela desaceleração da economia, o primeiro-ministro viu seu apoio popular crescer nas últimas semanas após o ataque de uma facção terrorista baseada no Paquistão matar 40 militares indianos.

O atentado, ocorrido na Caxemira, região fronteiriça entre os dois países, desencadeou agressões mútuas entre as potências nucleares, produziu uma onda de nacionalismo e inseriu a segurança nacional entre os temas de campanha.

Outro dentre eles é a disseminação de propaganda, incluindo difamação e notícias falsas, por meio de redes sociais e serviços de mensagens, como ocorreu em processos eleitorais de grandes democracias como EUA, Brasil e México.

Segundo o WhatsApp, as campanhas violam as regras da plataforma ao usar sistemas automatizados para fazer disparos em massa de mensagens. A prática ganha nova escala no ciclópico pleito indiano.

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