Luiz Carlos Azedo: Duas éticas no governo

NAS ENTRELINHAS

Desde o Império, não existe uma família tão poderosa e influente no Estado brasileiro, nem mesmo no segundo governo de Getúlio Vargas

A demissão do presidente da Agência Brasileira de Exportações e Investimentos (Apex), embaixador Mario Vilalva, pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é mais um episódio no governo Bolsonaro que revela um choque recorrente entre os ministros mais ideológicos do governo e a alta burocracia estatal, mesmo aquela que torceu pela eleição do presidente Jair Bolsonaro.

Segundo presidente da Apex demitido no governo, que completa 100 dias nesta semana, a demissão foi anunciada em nota distribuída pelo Itamaraty, depois de Vivalva dar declarações de que não pediria demissão: “Como parte do processo de dinamização e modernização do sistema de promoção comercial brasileiro, o ministro das Relações Exteriores, embaixador Ernesto Araújo, anuncia a exoneração do embaixador Mario Vilalva da presidência da Apex. O ministro das Relações Exteriores agradece a colaboração que o embaixador Mario Vilalva prestou à frente daquela agência nos meses iniciais da atual gestão”. Alex Carreiro, que o antecedeu, chefiou a agência por apenas 10 dias.

O governo ainda não anunciou o nome do substituto, mas quem quer que seja assumirá o cargo sabendo que terá dois subordinados imexíveis, se o novo presidente não for um deles: Letícia Catelani (Negócios) e Márcio Coimbra (Gestão Corporativa). Os dois entraram em conflito com Vilalva por insubordinação. Eles se recusaram a assinar atos da agência e nomearam funcionários, supostamente sem currículo para alguns postos, como um ex-candidato a deputado pelo PSL. A Apex é vinculada à estrutura do Ministério das Relações Exteriores, com a missão de promover os produtos e serviços brasileiros no exterior e atrair investimentos estrangeiros para setores estratégicos da economia brasileira.

Vilalva entrou em rota de colisão com Ernesto Araújo após o ministro ter promovido uma alteração no estatuto da agência sem informá-lo. “Nunca pensei que um ministro de Estado faria isso. Legislando sem transparência, modificando em cartório o estatuto da Apex e tentando me induzir ao erro. Tentam me colocar em situação constrangedora”, estrilou. A alteração no estatuto, no mês passado, visou adequar a agência à legislação que a criou, mas foi feita sem que Vilalva fosse consultado e de modo a esvaziar suas atribuições de presidente, fortalecendo os dois diretores, que são ligados ao clã Bolsonaro.

“As pessoas estão trabalhando em agendas pessoais, e com isso não estão preocupadas em fazer com que o trabalho da agência corra normalmente, como sempre aconteceu”, criticou Vilalva. Um dos episódios que desgastaram a relação entre o chanceler e o presidente da Apex foi a recusa de Catelani a revogar um contrato por recomendação da diretoria e do secretário de Governo, general Santos Cruz. Após o episódio, o escritor Olavo de Carvalho passou a atacar o ministro, acusando-o de tráfico de influência. Vilalva mantém boas relações com os generais do governo, entre os quais, o vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno.

Clã político

Esse não é um problema isolado no governo, onde a tensão entre militares e olavistas tem crescido não somente por causa dos ataques do guru Olavo de Carvalho aos militares nas redes sociais, mas porque há uma disputa de poder entre os militares, acostumados a seguir rígidas regras de disciplina e hierarquia, e a turma da “nova política” ligada ao clã Bolsonaro. Desde o Império, não existe uma família tão poderosa e influente no Estado brasileiro, nem mesmo no segundo governo de Getúlio Vargas, sua filha Alzira Vargas exerceu uma influência discretíssima, ao contrário do tio Benjamin Vargas, cujo suposto envolvimento no atentado contra Carlos Lacerda foi uma das causas do suicídio do irmão, em 24 de agosto de 1954.

A grande diferença é que o presidente Bolsonaro e seus três filhos — Flávio, senador pelo Rio de Janeiro; Eduardo, deputado federal por São Paulo; e Carlos, vereador carioca e artífice de seu marketing eleitoral, segundo seu pai — formam um clã político com mandato popular. Essa é uma realidade com a qual aliados e adversários terão de lidar. E onde estão as duas éticas? Na relação entre os objetivos políticos e ideológicos do grupo político de Bolsonaro e a legitimidade dos meios que utiliza para alcançá-los. Esse é o busílis do choque entre o clã e seu grupo ideológico instalado no governo, que se move pela ética das convicções, e a alta burocracia do governo, o que inclui militares e diplomatas, que está comprometida com ética da responsabilidade, pela própria formação profissional e cultura administrativa. (Correio Braziliense – 10/04/2019)

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