O Cidadania Diversidade, sucessor do PPS Diversidade, divulgou nota pública (veja abaixo) repudiando às comemorações do golpe de 1964.
“Nota de repúdio às comemorações do golpe de 1964 e de agradecimento à resistência contra a ditadura militar
Brasil, 31 de março de 2019.
O País está fraturado, são 13,1 milhões de desempregados, 65,7 milhões de brasileiros fora da força de trabalho, 4,9 milhões de desalentados, a previdência registra rombo de 291 bilhões, o PIB tem sua previsão de crescimento revista para baixo com expectativa de bater, se muito, 2%, o Ministério da Educação está à deriva, estudantes não conseguem se matricular no FIES, a bolsa registra forte queda, tal qual a popularidade do presidente, que despencou 15 pontos percentuais em 3 meses. A única coisa que parece subir é o dólar, alcançando o patamar dos R$4,00.
São muitos os problemas e as soluções para cada um deles é complexa, multidisciplinar e precisa ser administrada rapidamente, sob pena de empurrar o país para o colapso.
A situação preocupa a todos os brasileiros, exceto, aparentemente, ao presidente da república.
Enquanto 12,4% da população busca trabalho e 55 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza, mal tendo o que comer, o presidente acha tempo para levar a excelentíssima primeira dama ao cinema na manhã de terça-feira, dia 26 de março, para sair cedo do serviço e prestigiar um jantar servido apenas para “homens destemidos, corajosos e honrados”, para fazer vídeo hasteando a bandeira, brincar bastante nas redes sociais e, claro, como lhe é característico, ofender de forma grave a imprensa e todos aqueles que pensam de forma diferente. Obviamente partindo do pressuposto de que ele é um ser pensante, o que ainda não se pode afirmar com certeza.
Ocorre que seu estilo boquirroto de fazer política varou o extremo do que se poderia tolerar e indicou aos militares que comemorassem a revolução de 1964. Revolução? Foi verdadeiramente um golpe militar que fechou o Congresso e instaurou cruel e sanguinária ditadura por longos 21 anos.
O que exatamente o presidente sugere seja comemorado? As 434 vítimas mortas, ou desaparecidas apontadas pela Comissão Nacional da Verdade? A morte dos 1.100 índios da etnia Waimiri-Atroari ocorridas durante a ditadura? Os 20 mil torturados, conforme apontado pela Human Rights Watch? Os filhos que cresceram sem pais? As famílias destroçadas pelo regime? A dor dos pais que enterraram seus filhos, ou pior, a dor dos pais que sequer enterraram seus filhos? O desrespeito aos direitos e garantias fundamentais? A supressão da liberdade de imprensa? O fim dos partidos políticos? A ab-rogação das eleições presidenciais diretas por 21 anos? O fechamento do Congresso Nacional? A censura às atividades artísticas e culturais? A inflação acachapante de 239% ao ano em 1985, ano da transição dos militares para os civis? O salto na dívida externa de 27,8 bilhões para 61,8 bilhões, entre 1974 e 1979? O fortalecimento dos contraventores do jogo do bicho, à época avençados com o regime? Os sepultamentos clandestinos em covas coletivas no cemitério de Perus? Não ficou claro. Aliás, nada do que o obtuso presidente fala fica claro.
Quando questionado, tentou minimizar a agressão sem precedentes e piorou a situação, ao chamar todos os crimes acima apontados de “probleminhas”.
Probleminha é encontrar um rato em casa. Enfiar um rato na vagina de uma mulher é tortura. Probleminha é um curto na TV. Dar choques em alguém é tortura.
O abjeto presidente foi eleito em 2018 e não em 1964 e é sob a égide da Constituição e do sistema legal vigente que deverá pautar seus atos.
Não é segredo o fato de que Bolsonaro tem problemas sérios de leitura e faz seus pronunciamentos como uma criança em alfabetização lendo ditado, mas pela posição que ocupa e pela posição que ocupou ao longo dos últimos 30 anos, deveria ler e conhecer as normas constitucionais.
Está lá no artigo 1º da Constituição Federal, documento reiteradamente desprezado pelo capitão, que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, fundada nos valores da cidadania, da dignidade da pessoa humana e do pluralismo político. Já em seu artigo 3º, estabelece-se como um dos objetivos da República, construir uma sociedade livre, justa e solidária. No artigo 5º, talvez o maior responsável por dar à Carta Magna o título de Constituição Cidadã, encontramos expressamente elencada a proibição à tortura (inciso III), o direito à livre manifestação do pensamento (inciso IV), à liberdade de consciência, filosófica, política e religiosa (incisos VI e VIII), à liberdade de expressão artística e intelectual, independente de censura (inciso IX), à inviolabilidade à intimidade e à vida privada (inciso X), ao livre acesso à informação (inciso XIV), à liberdade de locomoção (inciso XV), ao direito de reunião e de associação (incisos XVI a XXI), dentre tantos outros essenciais ao exercício pleno da democracia.
Quando o presidente exalta um período sombrio da história nacional, alçando torturadores a condição de heróis e determinando comemorações oficiais pelo aniversário de instituição de nefasto regime, o mandatário do Executivo deixa claro seu desprezo pela democracia, pelo povo brasileiro e pela Constituição que jurou cumprir e proteger.
Veja que é possível até mesmo se falar que referida apologia à ditadura se revela em cometimento de crime de responsabilidade, tendo em vista que nos termos do artigo 84 da Carta Cidadã, tem-se que “são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais e a probidade na administração”.
No mais, a Lei 1079/ 1950, que define os crimes de responsabilidade, aponta em seu artigo 7º que são crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina e provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis. Já o artigo 9º diz que são crimes de responsabilidade contra a probidade na administração, expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição e proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.
As ordens de comemoração expedidas pelo presidente, além de cruéis e desrespeitosas com a memória das vítimas, seus familiares, a ordem constitucional, os princípios basilares do estado democrático de direito e a história nacional, são verdadeiramente crime de responsabilidade, sujeitando-o à destituição do cargo e inabilitação para ocupação de funções públicas.
Como se vê, há fortes evidencias levando a crer que aquela blogueirinha irresponsável que ocupa o mais alto cargo do Executivo Federal é uma criminosa, sob o prisma da Lei de Crimes de Responsabilidade.
Esse revisionismo tendencioso da história praticado pelo Planalto merece ser combatido ferozmente, sob pena de minimizar os terrores da ditadura, criando a falsa imagem de que o regime golpista que perdurou entre 1964 e 1985 fez bem para o país, levando a nação, hoje desesperada por salvação, a flertar, novamente, com o discurso fascista, intolerante e autoritário.
Jair Messias Bolsonaro (e seu entourage) se comporta como uma menina adolescente e mimada, viciada em redes sociais e que não sabe enfrentar críticas. Produz, a todo tempo, intrigas e agressões no melhor estilo Hedda Hopper, ignorando fatos históricos, desprezando a memória de todos que sofreram nas mãos da ditadura e joga para a sua plateia, com declarações estapafúrdias que atiçam seu cada vez mais desidratado curral eleitoral.
É nítido que o presidente se vale de confusões e polêmicas para desviar a atenção do fracasso retumbante de seu primeiro trimestre de governo, bem como para se furtar às respostas que precisa dar à sociedade, como, por exemplo, sobre o caso Queiroz e as relações perniciosas entre ele, sua família e as milícias cariocas, cujos lideres foram homenageados por seus filhos, tinham parentes empregados nos gabinetes do clã e um deles era, inclusive, vizinho do presidente, tendo sua filha namorado um dos filhos do presidente.
O país se transformou em uma versão desagradável do reality show Keeping Up With the Kardashians, onde a cada dia acompanhamos os tropeços e desmandos de uma família excêntrica com declarações e atos atentatórios contra a democracia.
O presidente da república deixa claro que não tem competência, habilidade e muito menos o decoro necessários para ocupação do cargo e sua saída se mostra, cada vez mais, a melhor saída para o Brasil (se não a única).
Seguiremos vigilantes, resistentes e ativos. O Brasil é um Estado Democrático de Direito e assim continuará sendo, apesar de Jair Messias Bolsonaro. Como diz Chico Buarque, “apesar de você, amanhã há de ser outro dia. Você vai ter que ver a manhã renascer e esbanjar poesia.”
No dia de hoje não comemoraremos o golpe de 1964, mas sim honraremos todos aqueles que lutaram e deram suas vidas, liberdade e integridade física e moral para a derrubada da ditadura que instaurou 21 anos de noite no Brasil.
Aos resistentes do passado, registramos aqui nossos mais sinceros agradecimentos por nos permitir viver, hoje, democraticamente. Não falharemos com vocês e levaremos esse legado adiante.”