Morte do líder do Hamas pode acabar com a guerra

NAS ENTRELINHAS

É difícil avaliar a situação política em Gaza. O Hamas não está em condições de fazer um acordo de paz; por tudo o que aconteceu, terá que se render ou lutar até a morte

O líder do Hamas Yahya Sinwar foi morto por acaso em Gaza, por tropas de Israel em treinamento, mas nenhum refém foi resgatado na operação. Sinwar assumiu a liderança do Hamas após o assassinato do líder político do grupo, Ismail Haniyeh, por um míssil israelense, em Teerã, em 31 de julho. Considerado o seu principal chefe militar, o líder palestino morto fora escolhido devido à sua grande popularidade em Gaza e pelo controle militar do grupo.

Morreu isolado militarmente. Na quarta-feira, uma unidade das Forças de Defesa de Israel estava em patrulha durante treinamento no sul de Gaza, quando os soldados israelenses se depararam com um pequeno grupo de combatentes. Os soldados não estavam na área para uma operação de assassinato, nem tinham informações prévias de que Sinwar estava no local. Atacaram o grupo e três militantes palestinos foram mortos.

Um drone flagrou Sinwar ferido, momentos antes de ser morto pelos soldados. Uma gravação de um dos militares envolvidos na operação descreve o episódio: quando o drone entrou no prédio demolido por um míssil, Sinwar, com o rosto coberto, tentou derrubar o artefato arremessando um objeto. Nesse momento, as tropas israelenses efetuaram mais disparos contra Sinwar, resultando em sua morte.

No prédio onde os terroristas foram eliminados, não havia sinais da presença de reféns, segundo as Forças de Defesa de Israel. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, comemorou o feito, mas disse que as operações militares em Gaza continuarão até que todos os reféns sejam libertados. O corpo de Sinwar foi identificado por meio da análise de seus registros dentários.

Considerado o mentor do massacre e das atrocidades de 7 de outubro, Sinwar era caçado deste estão. O ataque do Hamas causou 1.205 mortes — 251 pessoas foram sequestradas e levadas para a Faixa de Gaza. Quase um ano depois, 97 ainda estão em cativeiro, embora o Exército israelense considere 33 deles mortos. Na guerra com o Hamas, 41,4 mil palestinos foram mortos, a maioria idosos, mulheres e crianças. Não se sabe quantos soldados israelenses morreram em combate até agora.

Hamas acéfalo

Com a morte de Sinwar, o Hamas perdeu o principal dirigente político, chefe militar e líder popular, que havia sobrevivido aos duros golpes sofridos pela organização. Nos meios diplomáticos, o episódio é visto como uma oportunidade de fazer um acordo que encerre as operações militares e liberte os reféns. Porém, não se sabe quantos ainda estão vivos.

O presidente Joe Biden parabenizou Netanyahu pela morte de Sinwar, mas o secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, já revelou que a morte de Sinwar pode ser uma oportunidade para concluir esse acordo de paz e levar os reféns de volta para casa. Mas é preciso combinar com Netanyahu, que não aceita um cessar-fogo enquanto o Hamas não depuser as armas e se entregar à FDI.

Desde a libertação da prisão israelense, em 2013, Sinwar controlou a direção política e comandou os batalhões do Hamas em Gaza. Seu irmão, Mohammed, seu braço direito, ainda lidera grupos do Hamas no sul da Faixa de Gaza. Restam também dois líderes importantes: Khalil al-Hayya, vice de Sinwar, e Khaled Mashal, um dos fundadores do Hamas.

Conhecido como Abu Ibrahim, Sinwar nasceu em 1962 no campo de refugiados de Khan Younis, em Gaza. Seus pais eram de Ashkelon, mas tornaram-se refugiados depois do “al-Naqba” (“a catástrofe”), o deslocamento em massa de palestinos das suas casas ancestrais na Palestina durante a guerra que se seguiu à fundação de Israel, em 1948. Foi preso pela primeira vez por Israel em 1982, aos 19 anos, por “atividades islâmicas” e depois preso novamente, em 1985. Caiu nas graças do fundador do Hamas, o xeque Ahmed Yassin, que o escolheu para comandar a organização de segurança interna do grupo, a al-Majd, que punia quem desafiava a organização e executava suspeitos de traição. (Correio Braziliense – 18/10/2024 – https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2024/10/6967574-analise-morte-do-lider-do-hamas-pode-acabar-com-a-guerra.html)

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‘Edição nacional’ dá forma a um ‘novo’ Gramsci

“Edição nacional” dá forma a um “novo” GramsciO século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” em seu tratamento quanto um relativismo interpretativo inconsequente.No campo das ciências sociais, Antonio Gramsci talvez seja o autor italiano mais traduzido no Brasil. Um autor sui generis já que, em vida, nunca publicou um livro e seus escritos foram, por escolha dos seus editores, publicados primeiramente a partir dos grandes temas que se entrecruzavam nos cadernos escritos na prisão, para só depois ganharem uma “edição crítica” que se esmerou em acompanhar a cronologia da escritura gramsciana durante seu encarceramento. Referimo-nos aqui à “edição temática” coordenada por Felice Platone e Palmiro Togliatti, publicada entre 1948 e 1951, e à “edição crítica” dos Cadernos do Cárcere, de 1975, coordenada por Valentino Gerratana.1Atualmente, os Cadernos do Cárcere, somados a textos escritos para jornal, cartas (de Gramsci e dos seus interlocutores) e traduções, compõem o escopo da denominada “Edição nacional”, cujo primeiro volume veio à luz em 2007 e já conta com 9 volumes publicados na Itália. A “Edição nacional”, coordenada pela Fondazione Istituto Gramsci e publicada pelo Istituto della Enciclopedia Italiana – Edizione Treccani –, está projetada em quatro seções, a saber: 1. Scritti (1910-1926); 2. Epistolario (cartas anteriores e posteriores à prisão); 3. Quaderni del carcere (nova edição crítica e integral); 4. Documenti (dedicado à atividade político-partidária).2Com a difusão dos seus escritos, inicialmente, Gramsci foi visto tanto como o “teórico da cultura nacional-popular” quanto um formulador “da revolução nos países avançados do capitalismo”, de cuja obra se extraíram conceitos que o tornaram um pensador assimilado em grande escala. Ao longo de décadas, Gramsci foi utilizado de maneira ampliada e, no mais das vezes, buscou-se, a partir dele, difundir algumas fórmulas desvinculadas do seu contexto de enunciação. Inevitável que tivesse ocorrido tanto um processo de instrumentalização — no PCI, Gramsci assumiu a figura de um formulador ortodoxo e também a de um precursor do “eurocomunismo” — quanto de diluição e empastelamento do seu pensamento, sendo muitas vezes citado por opositores declarados às suas aspirações políticas de emancipação dos subalternos. Por esses descaminhos, diluiu-se a riqueza do seu pensamento, o que parece estar sendo recuperado, como a sua complexa leitura do nacional a partir de um “cosmopolitismo de novo tipo”3 ou sua aspiração por um “comunismo como sinônimo de igualdade e democracia”.4Olhando essa trajetória de recepção e assimilação, pode-se dizer que Gramsci chegou a um patamar de utilização que passou a exigir um novo tratamento, que desmontasse mitos, simplificações e falsificações, e pudesse resgatar Gramsci como uma obra que se confunde com sua vida, contextualizada nos conflitos e transformações daqueles anos febris que marcaram o alvorecer do século XX.Esse espírito marca uma reviravolta nos estudos gramscinos nas últimas décadas que, em primeiro plano, buscou estabelecer uma leitura filológica dos seus textos com o intuito de dar uma compreensão mais refinada dos seus conceitos em compasso com sua escritura, ou seja, capturando o “ritmo do pensamento”.5 Em paralelo, a partir de uma perspectiva analítica centrada na “historização integral”, foi possível pensar, de maneira articulada e contextualizada historicamente, as vicissitudes da sua trajetória pessoal e da sua reflexão teórica, permitindo que se pudesse compreender melhor os dramas individuais e os dilemas políticos daquele prisioneiro especial do fascismo. Muito desse movimento renovador se alicerçou no trabalho desenvolvido pela Fondazione Gramsci de Roma por meio de pesquisas inovadoras, seminários regulares difundidos em publicações coletivas e iniciativas intelectuais que articulavam o diálogo entre estudiosos e pesquisadores dos escritos de Gramsci ao redor do mundo.6Com o trabalho de pesquisa ensejado na propositura da “Edição nacional” e em função das pesquisas desenvolvidas de identificação e reorganização do que Gramsci escreveu, passou a haver um significativo movimento de reavaliação e revigoramento do seu pensamento. Diversas publicações de estudos sobre sua vida e seu pensamento têm vindo a público, particularmente na Itália — mas não só —, que, além de questionarem diversas formas pelas quais Gramsci havia sido assimilado e utilizado, propõem uma revisão de muitas dessas interpretações e sugerem o que vem sendo chamado de um “novo” Gramsci.De acordo com Gianni Francioni e Francesco Giasi, a ênfase dessa caracterização não está no conteúdo, mas no reconhecimento de que “um novo Gramsci ganha forma graças a um complexo trabalho coletivo que conta com a participação de estudiosos de diferentes gerações, com diferentes formações e perfis, com maturações diversas, no campo dos estudos históricos e filosóficos, unidos por pesquisas específicas e continuadas”.7De imediato, esse reconhecimento sugere um questionamento inevitável à equivocada visão de alguns anos atrás de que Gramsci havia deixado de ser lido e estudado na Itália em detrimento do crescimento da investigação sobre Gramsci por parte de pesquisadores não italianos. Outra ideia que deverá ser questionada em breve é a de se supor que a “Edição nacional”, com seus portentosos volumes — que muito dificilmente serão traduzidos em sua totalidade em outros países —, diminuirá a pesquisa sobre Gramsci ao redor do mundo. Sì e no, efetivamente, essa é uma questão em aberto.Em suma, esse “novo Gramsci” obedece mais ao clima do tempo, mais plural e dialogante, do que aquele do status de referencial predominante de um campo político-ideológico, vinculado a um partido, ou então, o seu inverso, como na fabulação de um “outro Gramsci” que se opõe à imagem que, em particular, o PCI, atribuiu a dele. O século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” de tratamento do nosso autor quanto um relativismo interpretativo inconsequente; e repele, mais ainda, a leitura essencialista, antitética e tresloucada promovida pela extrema-direita, à la Olavo de Carvalho8, que deforma tudo e promove somente ignorância.Esse “novo Gramsci”, muito mais fiel à sua trajetória de vida e à complexidade do seu pensamento, permanece convocando seus leitores e estudiosos a se esforçarem no sentido de contribuírem com a discussão dos dilemas políticos da contemporaneidade, notadamente por meio das temáticas da interdependência e do cosmopolitismo, dois temas caros a ele e vetores essenciais para o enfrentamento dos desafios deste “mundo grande e terrível”… e “complicado”, que ele já divisara no seu tempo, um século atrás. (Estado da Arte/O Estado de S. Paulo - 09/10/2024 - https://estadodaarte.estadao.com.br/filosofia/edicao-nacional-da-forma-a-um-novo-gramsci/)Notas:1. A “edição temática” foi quase integralmente publicada no Brasil na década de 1960 pela editora Civilização Brasileira. A partir de 1999, tendo como editores Carlos Nelson Coutinho, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira, a mesma editora publicaria uma versão dos Cadernos do Cárcere que mescla a “edição temática” com a “edição crítica”. ↩︎ 2. Em maio de 2024, foi lançado Scritti 1918, organizado por Leonardo Rapone e Maria Luisa Righi, o último volume até agora publicado da “Edição nacional”. ↩︎ 3. IZZO, Francesca. Il moderno Principe di Gramsci – cosmopolitismo e Stato nacionale nei Quaderni del carcere. Roma: Carocci, 2021(uma versão em português está no prelo pela Editora da Unicamp & FAP). ↩︎ 4. DESCENDRE, Romain & ZANCARINI, Jean-Claude. L’oeuvre-vie d’Antonio Gramsci. Paris: La Dècouverte, 2023, p. 13. ↩︎ 5. COSPITO, Giuseppe. Il ritmo del pensiero – per una lettura diacronica dei “Quaderni del carcere” di Antonio Gramsci. Napoli:Bibliopolis, 2011. ↩︎ 6. A título ilustrativo podemos mencionar: Giuseppe Vacca, Vida e pensamento de Antonio Gramsci – 1926/1937 (Contraponto/FAP, 2012); Leonardo Rapone, O jovem Gramsci – cinco anos que parecem séculos – 1914-1919 (Contraponto/FAP, 2014); Aberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques & Giuseppe Vacca (orgs), Gramsci no seu tempo (Contaponto/FAP, 2009; 2ª. ed. 2019); Fabio Frosini & Francesco Giasi (orgs), Egemonia e modernità – Gramsci in Italia e nella cultura Internazionale (Viella, 2019). ↩︎ 7. FRANCIONI, F. & GIASI, F. Un nuovo Gramsci – biografia, temi, interpretazioni. Roma: Viella, 2020, p. 12. ↩︎ 8. OLIVEIRA, Marcus Vinícius Furtado da Silva. “Gramsci no jardim das aflições”. In: Anais do VIII Encontro de pesquisa em história da UFMG. Belo Horizonte: UFMG, 2019. ↩︎

Santa raiva

A tragédia educacional precisa ser vista como a da escravidão.

Como se reconhece um democrata?

Ele se move pelas sendas complicadas da razão, recusando a manipulação das emoções que políticos e governantes fazem regularmente, sobretudo em períodos eleitorais.

Democracia na América

As nações democráticas de todo o mundo, entre as quais a nossa, não podem dispensar a presença renovada dos Estados Unidos nas suas fileiras.

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