Quando outubro vier

Já escrevi isso algumas vezes e repito aqui: a corrupção está para a economia como a tortura para a política. Ou seja, ela mata. Toda vez que puder, vou insistir nessa tecla.

O assassinato do opositor russo Alexei Navalny, divulgado pela imprensa internacional no dia 17 de fevereiro de 2024, tem que ver com as torturas infligidas a alguém que não vacilou em denunciar as ladroagens da quadrilha comandada por Vladimir Putin na Rússia.

Um assassino que vira “político” – vá lá – é chamado estranhamente de ditador. Trata-se de um atenuante. Assassino é assassino e ponto final. Já no filme O grande ditador o genial Charles Chaplin demonstrava isso.

Eu nunca me esqueço de uma opinião dada pelo resistente marxista tcheco, Karel Kosik, ex-prisioneiro de Hitler, quando desmoronou a União Soviética, em 1991. Segundo ele, estava subindo ao poder o pior tipo de burguesia que poderíamos imaginar: a burguesia do crime. Uma mudança qualitativa e tanto. Saía de cena a mais-valia e adentrava no palco o código penal.

Não deu outra. Putin é expressão de uma escória humana que ascendeu ao poder na velha Rússia. Como a camarilha hitlerista, ele representa o lumpesinato no poder. Um poder à custa de todo tipo de transação, corrupção e atrocidades ilícitas. Com Putin e seus asseclas, o capitalismo russo se afirma cada vez mais como um modo de depredação e não um modo de produção propriamente dito. Todo poder à milícia!

Vladimir Putin não é um político. Não é sequer um político corrupto. Ele representa uma retomada das práticas nazistas. Explicar uma situação dessas está mais para Freud do que para Marx. Haja psicanálise.

Certa vez, há cerca de 25 anos, um jovem francês entrou em contato comigo para saber minha opinião sobre o fenômeno nazista. Ele estava preparando um documentário sobre a ascensão de Adolf Hitler ao poder. Ele era judeu, progressista, e queria encontrar uma resposta para tudo aquilo. Nada fácil, realmente. Eu tinha residido durante um período na Alemanha, nos anos 70, e ele queria saber as impressões do historiador que eu era a respeito do hitlerismo. Eu disse a ele que pouco conhecia do fenômeno nazista e que portanto não seria a pessoa mais indicada para dar um depoimento. Mas ele insistiu e eu então relatei o que pensava.

Primeiramente, abordei o espanto que senti em relação à tomada do poder pelos nazistas em um país tão culto e economicamente forte como a Alemanha. Prossegui e afirmei que a Inglaterra também era um país culto e igualmente forte, mas não embarcou na aventura totalitária da Alemanha. Por que razão? Na Alemanha, as instituições desmoronaram e na Inglaterra não. Isto é, a democracia liberal inglesa deu conta do recado. Esse é o diferencial. E ele explica muita coisa.

E não só: narrei ao meu interlocutor que a ação de Adolf Hitler e dos demais chefes nazistas não pertencia ao universo da política. Por uma razão: a política pressupõe negociação, implica diálogo. A lógica dos nazistas era a lógica do extermínio. A lógica dos marginais. Ou de pessoas postas à parte do processo político. Não havia a menor racionalidade nisso. O próprio Adolf Hitler não passava de um escroque de quinta categoria. Temos vários desse tipo pelo mundo hoje. Assim, falsificou seu serviço militar, seduziu a filha de sua irmã de apenas 17 anos de idade e andava em companhia de donos de bordéis. A tal ponto que, mesmo na extrema-direita alemã, muitos se perguntavam então qual a sua “fonte de renda”. Mais uma vez, recorro a um filme, desta feita a M, o Vampiro de Dusseldorf, de Fritz Lang, datado de 1931. Está tudo ou quase tudo ali.

Dois meses depois dessa conversa inicial, se tanto, o jovem documentarista me mandou um recado: ele leu em um editorial do jornal do Partido Socialista Alemão (SPD), publicado no final de 1932, que diversos membros da cúpula nazista tinham passsagens significativas pela polícia. Vale dizer, eles nada mais eram do que criminosos de direito comum. Melhor do que assaltar um banco, sem dúvida, era deter a chave do cofre do Banco Central. Deram o chamado pulo do gato. Em tempo: assim que os hitleristas tomaram o poder, no início de 1933, eles mataram o editorialista socialista em questão, esfaqueado pelas costas.

Vladimir Putin pertence a essa “cultura”. Hoje, como nos anos 20 e 30 do século passado, o fascismo ronda a Europa. Só que não existe mais a União Soviética para fazer o contraponto, o que só piora a situação. O que existe é o poderio de Vladimir Putin. E o que também é muito preocupante: os Estados Unidos tampouco andam lá muito bem das pernas e Donald Trump é uma ameaça real à ordem democrática no mundo.

A palavra final talvez seja dada, mais uma vez, como em Outubro de 1917, pelo glorioso povo russo. A terra de Alexander Pushkin, Ivan Turguêniev, Máximo Gorki e Liev Tolstoi ainda tem muito o que dizer ao mundo.
A escolha se dá entre Civilização e Barbárie. Não temos mais muito tempo pela frente.

Ivan Alves Filho, historiador.
Fevereiro de 2024

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