Missão de Gonet na PGR é acomodar placas tectônicas da politica

NAS ENTRELINHAS

O fantasma da Lava-Jato rondou a posse de Gonet, que estabeleceu como uma de suas missões superar a divisão da instituição entre “garantistas” e “lava-jatistas”

O novo procurador-geral da República, Paulo Gonet, tomou posse, nesta segunda-feira, com a promessa de que o Ministério Público será “corresponsável” pela democracia no Brasil e não deve buscar palco nem holofotes, numa alusão à atuação do órgão na gestão do procurador-geral Rodrigo Janot e à força-tarefa da Operação Lava-Jato em Curitiba.

Gonet assume o lugar do ex-procurador Augusto Aras, que se notabilizou pelo alinhamento ao governo Bolsonaro, notadamente durante a pandemia e na questão das fake news contra os ministros do Supremo Tribunal federal (STF), o que originou um inquérito aberto pelo então presidente da Corte, Dias Toffoli. A cargo do ministro Alexandre de Moraes, que hoje acumula funções que seriam próprias do MPF, o inquérito investiga os atos de vandalismo e a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro passado.

A escolha de Gonet pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi mais bem acolhida no Senado do que a do ministro da Justiça, Flávio Dino, indicado para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Entretanto, ambos têm os mesmos padrinhos políticos, os ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Ao contrário do ministro Dino, que havia trocado a magistratura por intensa atuação política, que o levou ao governo do Maranhão e, depois ao Senado, Gonet fez carreira na instituição sem se envolver em confrontos entre os procuradores e se dedicou à construção de uma sólida formação jurídica.

É dos procuradores mais preparados de sua geração, ao lado da Raquel Dodge e Eugênio Aragão, que ingressaram no Ministério Público no mesmo concurso. Tem perfil conciliador, mas ninguém deve esperar dele qualquer atitude que não esteja nos marcos da Constituição. Assume num momento de movimentos tectônicos entre os Poderes, que atuaram de forma harmônica em defesa da democracia para garantir a diplomação e a posse do presidente Lula, mas que agora se afastam e se chocam.

A analogia faz todo sentido. Placas tectônicas são grandes blocos rochosos semirrígidos que compõem a crosta terrestre e se movimentam sobre o manto de forma lenta e contínua, podendo aproximar-se ou se afastar umas das outras. Essa movimentação resulta na formação de montanhas, fossas oceânicas, atividades vulcânicas, terremotos e tsunamis.

Por estar localizado exatamente no centro da Placa Sul-Americana, que possui uma área de 43,6 milhões de quilômetros quadrados e, aproximadamente, 200 quilômetros de espessura, o Brasil não sofre grandes abalos, mas sismos de pequena magnitude, decorrentes do desgaste da placa. Mais ou menos como está acontecendo agora entre o Congresso e o Supremo na questão do poder monocrático e mandato dos seus ministros, ou entre o Legislativo e o Executivo, na discussão do Orçamento.

Prerrogativas

O Ministério Público ganhou ares de um “quarto poder” após a Constituição de 1988, que deu autonomia e papel quase ilimitado aos seus procuradores de fiscalizar os órgãos públicos. Se tiveram atuação fundamental para a ampliar a transparência da administração pública e zelar pela ética e pela legitimidade dos meios utilizados na ação política, por outro lado, frequentemente, procuradores exorbitaram nessa atuação, na tangente do devido processo legal.

Ao ressaltar o papel da PGR, Gonet destacou “os altos valores constitucionais que inspiraram a sua concepção única na história e no direito comparado”. Disse que o papel da instituição não é formular políticas públicas, mas garantir que os Poderes eleitos efetivem essa política. Isso é uma espécie de freio de arrumação na prática recorrente de procuradores que interferem indevidamente na gestão pública.

“Sabemos que não nos foi dado formular políticas públicas nem deliberar sobre a conformação social e política das relações entre os cidadãos. Essas decisões essenciais estão reservadas ao povo, que se expressa por meio dos representantes eleitos para isso”, afirmou.

O fantasma da Lava-Jato rondou a posse de Gonet, que estabeleceu como uma de suas missões superar a divisão da instituição entre garantistas e lava-jatistas. Com certeza, essa foi uma das razões pelas quais foi indicado pelo presidente Lula e obteve amplo apoio ao seu nome no Senado.

Ao mesmo tempo, Gonet também precisa virar a página da gestão de Augusto Aras, que atuou fortemente contra a Lava-Jato, mas foi omisso em relação aos arroubos autoritários do ex-presidente Jair Bolsonaro, a ponto de o Supremo ter que abrir um polêmico inquérito em sua autodefesa, que acabou legitimado pela tentativa de golpe de 8 de janeiro.

A missão da PGR é questionar a validade das leis diante da Constituição, arguir, opinar e até mesmo propor a invalidação de normas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo. O MP também atua em investigações e processos criminais no âmbito do STF, como é o caso de ações contra autoridades com foro privilegiado. Além de promover apurações, diligências e produção de provas, pode propor a condenação ou absolvição de acusados, ou mesmo arquivar inquéritos, e garantir o respeito aos direitos fundamentais. (Correio Braziliense – 19/12/2023)

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