Artigo registra fatos históricos da tropa para ampliar conhecimentos e reconhecimento sobre os zuavos
A referência sobre os zuavos da Bahia, no título, é do Conde D’Eu, último comandante do Império na Guerra do Paraguai: “A mais linda tropa do Exército com os oficiais inteiramente a par de todos os pormenores do serviço e orgulhosos de seu Batalhão”. Outras personalidades teceram elogios semelhantes. O general Dionísio de Cerqueira os classificou como um dos melhores corpos do Exército. Moraes Filho escreveu que, uma vez na guerra, empenhados na luta, todos se distinguiam pelo valor.
Os zuavos da Bahia vestiam uniformes exuberantes, que tiveram como modelo o fardamento de corpos franceses existentes na Argélia. Na cabeça, usavam um gorro em forma de tronco cônico, geralmente vermelho. A indumentária se completava com largas bombachas, também vermelhas, presas por polainas, jaqueta azul aberta com bordados de trança amarela, guarda-peito do mesmo pano e o pescoço limpo, sem colarinho nem gravata.
Ao conquistarem a Argélia, em 1830, os franceses ficaram impressionados e decidiram, por deferência aos exímios guerreiros conhecidos como “zuaguais e zuagos”, integrá-los ao serviço militar do país. Anteriormente, os turcos tinham adotado semelhante procedimento pelos mesmos motivos, quando dominaram regiões barbarescas. Ou seja, não podendo subjugar esses montanheses oriundos de uma tribo na fronteira com a Tunísia, ofereceram-lhes serviços no Exército Otomano.
A razão para a recriação no Brasil da tradição zuava é controversa. Uma hipótese é o relato de, na Guerra da Criméia, no século 19, ter morrido o tenente Eduardo de Villeneuve, do 1º Regimento de Zuavos — que era de origem francesa, irmão do Conde de Villeneuve, que foi ministro plenipotenciário do Império do Brasil na Bélgica.
O historiador Hendrik Kraay questiona. “Eduardo de Villeneuve não foi invocado na mobilização baiana. Além disso, companhias de zuavos foram criadas apenas na Bahia, e a única outra companhia negra organizada em 1865-66, no Recife, adotou o nome somente depois de se reunir aos zuavos baianos no Uruguai”, argumenta Kraay.
Há referências de heroísmos de zuavos em vários episódios da guerra. A Batalha de Curuzu, entre 1º e 3 de setembro de 1866, é um desses momentos. Foram nesses combates que o capitão zuavo Marcolino José Dias se destacou. Ele teve a audácia de galgar a muralha inimiga por sobre as costas de um de seus soldados, tomar uma bandeira paraguaia e hastear o pavilhão verde-amarelo no lugar e gritar: “Está aqui o negro zuavo baiano!” Outro zuavo, oriundo de Itaparica, conhecido como Agostinho da Fontoura, teve a coragem e o ímpeto de hastear a bandeira do Império durante os combates que resultaram na conquista do Forte de Itaipu.
Uma trajetória famosa sobre zuavos é a de Dom Obá II, Cândido da Fonseca Galvão, suposto descendente de Alafim de Oió — soberano que reinou numa região que integra o território da Nigéria. O biógrafo de Dom Obá II, o historiador Eduardo Silva, narra que Galvão, depois de participar na guerra e se radicar no Rio de Janeiro, costumeiramente era recebido uniformizado, com muita reverência, por Dom Pedro II, no palácio imperial.
Em duas oportunidades, com apoio da Fundação Cultural Palmares, propusemos ao Exército Brasileiro que o legado dos zuavos, tal como ocorre com outras unidades históricas, merecesse reconhecimento formal. A primeira tratativa ocorreu em 2006. A resposta foi que a homenagem não se justificava em razão de, em 1992, ter sido concedido ao 28º Batalhão de Infantaria Leve (Campinas) a denominação de Batalhão Henrique Dias — herói das batalhas de Guararapes no século 17.
Na segunda investida, em 2017, o Comando do Exército mencionou que os zuavos, ao “chegarem ao Teatro de Operações, foram distribuídos entre vários batalhões”. Essa ideia foi utilizada no sentido de que essas unidades não tiveram uma continuidade, foram desmobilizadas, o que é fato. Razão alegada pela instituição como suposta dificuldade de atribuir a uma tropa de infantaria, na atualidade, a designação de zuavos.
No entanto, essa alegação da descontinuidade é frágil. O 1º Regimento de Cavalaria de Guardas “Dragões da Independência”, com o fim da monarquia, deixou de existir. Foi recriado em 1917 por uma provocação parlamentar do deputado e historiador Gustavo Barroso. O projeto levou a retomada da tradição por meio do uniforme histórico envergado em datas cívicas como as comemorações da Independência, em 7 de setembro.
Diante disso, registro a expectativa sobre esses fatos históricos, para que — com aval do Exército Brasileiro — tenhamos memória e interesse em ampliar conhecimentos e reconhecimento da mais linda tropa, os zuavos. (Correio Brazileinse – 05/11/2022)
Sionei Ricardo Leão, jornalista especializado em história militar; autor de Kamba’Race – afrodescendências no Exército brasileiro