Eliane Cantanhêde: Vácuo de lideranças

Um dos grandes problemas brasileiros, em meio a uma pandemia, uma guerra com repercussões internacionais e uma eleição tão polarizada é a falta de líderes que comandem os debates, ajustem interesses e deem racionalidade e consequência ao processo. Essa mercadoria andava em falta, mas a carência agora é dramática.

O Brasil já conseguiu reunir no Congresso a direita culta, a esquerda combativa e o centro capaz de garantir o equilíbrio, enquanto os radicais cumpriam seu papel: o de minorias que chacoalham as certezas e tiram a maioria da zona de conforto.

Na Constituinte de 1988, Roberto Campos e Delfim Netto discutindo com Lula e José Genoino, Fernando Henrique Cardoso, Ulysses Guimarães e Mário Covas dando rumos e segurança ao debate, enquanto uma nova leva de políticos articulava e construía o futuro.

Gente que vinha dos movimentos estudantis, sindicatos e meios jurídicos, empresariais ou religiosos, como José Serra, Nelson Jobim e os “capuchinhos”, grupo de centro-esquerda em que brilhava um tal de Dante de Oliveira, que emprestara a ousadia e o nome à emenda das “Diretas-Já”.

Congresso brilhante, política efervescente, um cheiro de futuro no ar, no eterno “país do futuro”. Um futuro que nunca chega. Ou que chega aonde chegamos. Olhem as mexidas nas Forças Armadas e os líderes do Executivo, Legislativo, empresariado, igrejas…

É por isso que boa parte do eleitorado deseja ardentemente e não acha a solução para uma transição, um pacto para interromper o desmanche e começar a reconstrução – inclusive, talvez principalmente, de princípios, com a democracia em primeiro lugar.

Sem Ulysses, Tancredo, Aureliano e FHC e com Lula abdicando da liderança do processo para ser, sempre, o candidato, quem se arvora são os espertos, que se movem convencidos e convencendo de que dão nó em pingo d’água. Não está dando certo.

Ninguém fala do “PSD”, só do “PSD do Kassab”, mas Gilberto Kassab deixou no ar desde o início que estava fechado com Lula, lançou Rodrigo Pacheco, prometeu mundos e fundos para Eduardo Leite, jogou a rede para Paulo Hartung. E nada. O risco é um estouro da boiada no partido.

Outro que ganhou ares de grande articulador foi Luciano Bivar, ao ceder o PSL para Jair Bolsonaro em 2018. Depois, foi jogado ao mar e enfim se agarrou à boia do DEM, que ACM Neto lhe jogou para evitar seu próprio naufrágio. Com “lideres” como Kassab, Bivar e ACM Neto, a terceira via não vai a lugar nenhum. Nem o Brasil. (O Estado de S. Paulo – 08/04/2022)

PS: Começa amanhã a oitava Brazil Conference, organizada por alunos da comunidade acadêmica de Boston e Harvard, com transmissão do Estadão. Vai perder?

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