Como explicar mudanças bruscas na opinião pública?
Em 6/10/1989, Erich Honecker, o secretário geral do PC da República Democrática Alemã (RDA), presidiu a celebração de 40 anos do regime, em uma enorme e pomposa cerimônia, simbolizando a força do regime e sua estabilidade. Doze dias depois, demitiu-se. Decorridos 20 dias, o muro de Berlim seria derrubado. Menos de um ano depois, a RDA não existiria mais, dando lugar ao surgimento da nova Alemanha unificada.
Processos semelhantes ocorreram na transição de regimes autoritários para democracias (ex. Primavera Árabe, 2011). Seu traço distintivo é a rapidez. Nenhum analista os havia antecipado malgrado sua enorme importância histórica: havia poucos sinais de mobilização ativa na população ou na opinião pública que pudessem sugerir o que estava para vir.
Timur Kuran foi o primeiro a analisar o fenômeno rigorosamente. https://www.hup.harvard.edu/catalog.php?isbn=9780674707580 Sob o autoritarismo, argumentava, há custos altos para as pessoas manifestarem sua insatisfação. Apenas no âmbito privado essa informação está disponível. Há assim uma assimetria de informação em relação à prevalência da insatisfação coletiva. O que explica a estabilidade e posterior resposta coletiva surpreendente.
É um equilíbrio instável cujo desenlace é o comportamento de manada a partir de “cascatas informacionais”. Ele explica a resiliência de estruturas que são rejeitadas coletivamente. Kuran examinou o racismo nos EUA, o sistema de castas da Índia e o apartheid na África do Sul.
O que ele chamou de falsificação de preferências é fenômeno universal em qualquer situação em que estejam presentes custos envolvidos em revelá-la. Nas democracias, o custo pode assumir várias formas: sanções informais, perda de acesso a emprego e oportunidades, e, hoje, cancelamentos. Mas Kuran escreveu nos anos1990, e não poderia imaginar a mudança trazida pelas redes sociais que contribuíram, por outro lado, para quebrar assimetrias de informação.
Na literatura de opinião pública um fenômeno parecido é conhecido como o viés de desejabilidade social. Nas pesquisas de opinião, as respostas expressam a resposta esperada pelo interlocutor ou grupo de referência, mais que a genuína.
No Brasil, pós 1988, há um segmento significativo do eleitorado que não adquirira visibilidade até a chegada de Bolsonaro. Timothy Power https://www.psupress.org/books/titles/0-271-02009-1.html referiu-se a ele como a “direita envergonhada”.
Hoje, a real extensão do antipetismo e do antibolsonarismo é difícil de estimar devido ao fenômeno da falsificação de preferências, que é magnificado devido à forte polarização. O mesmo vale para o apoio a candidaturas como a de Moro. Pode-se esperar, portanto, volatilidade maior nos movimentos de opinião pública para além dos efeitos próprios da campanha eleitoral. (Folha de S. Paulo – 14/02/2022)
Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)