Bolsonaro está levando os militares a uma situação limite, como, aliás, fez constantemente enquanto estava na ativa. Capitão, planejou atentados terroristas para reivindicar melhores salários, foi condenado por um conselho de justificação, mas absolvido pelo Superior Tribunal Militar (STM) em 1988, meses antes de ir para a reserva, num aparente acordo.
Antes, escrevera um artigo na revista “Veja”, em setembro de 1986, denunciando uma “situação crítica da tropa no que se refere aos vencimentos”. Pegou 15 dias de cadeia por indisciplina. “Um mau soldado”, como o classificou o general Ernesto Geisel. Na política, Bolsonaro fazia panfletagem na porta de quartéis nas eleições. Frequentemente era pedido que se afastasse do quartel para fazer sua campanha. Alguns dos generais hoje no governo fizeram essa intermediação com o então deputado Bolsonaro, que chegou à Presidência da República com o apoio e condescendência dos militares, convencidos de que somente ele poderia derrotar o PT em 2018. Hoje, a possibilidade de um novo confronto entre Lula e Bolsonaro em 2022 fortalece sua posição entre os militares.
Incentivado por Bolsonaro — que já quebrara a regra de ouro de não levar a política para dentro dos quartéis quando fez um comício em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília —, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello rompeu com a máxima do Exército, de hierarquia e disciplina, ao participar de um ato político no domingo no Rio, sendo general de divisão da ativa.
A partir dessa evidência, o ministro da Defesa, general Braga Netto, e o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, tentam achar uma saída que não desmoralize o Exército, nem crie uma crise institucional com a Presidência da República. Mas Pazuello não pode ser tratado com excepcionalidade.
Não puni-lo seria péssimo sinal de que a política está tomando conta dos quartéis. O que não pode, e é o que Bolsonaro está fazendo, é usar o Exército como instrumento político. Está na hora de os militares levarem isso a sério, sob o risco de desmoralização completa da ideia de uma corporação de Estado, hierarquicamente bem definida, e de todos se sentirem autorizados a fazer política nos quartéis.
O ministro Luiz Eduardo Ramos, hoje no Gabinete Civil, teve a sensibilidade de pedir para ir para a reserva quando se viu envolvido, na rampa do Palácio do Planalto, numa manifestação política conduzida por Bolsonaro.
Estava “disfarçado”, em meio a vários assessores, quando o presidente o chamou para a frente da manifestação. Admitiu que não poderia estar ali como general da ativa e pediu para ir para a reserva para poder continuar no governo. Durante muito tempo, tentou convencer Pazuello a fazer o mesmo, sem ter tido sucesso, muito porque Bolsonaro não considerava necessário.
A presença do presidente Bolsonaro em, na média dos primeiros dois anos de seu governo, uma formatura por mês de militares membros das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) e das polícias Militar, Federal e Rodoviária Federal indica uma tentativa de sua parte de politização dos quartéis. O especialista Adriano de Freixo, professor do Departamento de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (Inest-UFF), num estudo já analisado aqui sobre os militares no governo Bolsonaro, ressalta que uma variável que não deve ser ignorada nessa conjuntura é a “bolsonarização” dos estratos inferiores da corporação.
Outro aspecto da “bolsonarização” que começa a se tornar motivo de preocupação, para o professor da UFF, são as polícias militares estaduais, definidas na Constituição como forças auxiliares e reservas do Exército. Ele considera que “o quadro se torna mais complicado quando se leva em consideração a simbiose que existe em diversos estados da Federação entre parte das corporações policiais e forças parapoliciais, as chamadas “milícias” — que, no Rio de Janeiro, já têm o controle efetivo de vastos territórios —, e os crescentes indícios de ligação entre elas e figuras relevantes do entorno de Jair Bolsonaro”. (O Globo – 25/05/2021)