No melhor das hipóteses, embate será resolvido nas urnas
Com a manifestação marcada para este sábado, o presidente Jair Bolsonaro antecipou sua reação ao Datafolha que registrou a maior vantagem da temporada para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Se Lula está focado em atrair, pela base, os palanques regionais que dariam sustentação a uma terceira via, Bolsonaro mira na mobilização de setores anti-petistas por excelência: ruralistas, fundamentalistas religiosos, caminhoneiros e movimentos pró-armas.
O clímax, dizem os organizadores, será a chegada do presidente da República, a cavalo, por trás do Itamaraty, para se unir aos apoiadores. À Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, o coordenador da Marcha da Família Cristã pela Liberdade, Wellington Macedo informou a previsão de cinco trios elétricos, 200 ônibus e, como o céu é o limite, 100 mil pessoas.
À marcha, que reúne batistas, adventistas, as igrejas Universal, “Deus é amor”, “Plenitude do trono de Deus”, “Ministério da fé”, várias denominações da Assembleia de Deus e o movimento católico “Dom Bosco”, se unirão ruralistas e entidades de caminhoneiros, como o “Lux Brasil”, de Emílio Dalçóquio, aliado bolsonarista desde a greve de 2018.
Os ruralistas são liderados por Antonio Galvan, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja). Conta com entusiastas em quase todas as entidades do setor e o silêncio daqueles que, embora não subscrevam o apoio à radicalização do bolsonarismo, cruzam os braços à espera de que projetos como o da flexibilização do licenciamento ambiental, em pauta na Câmara, passem.
Organizadores já reportam ausência de jatinhos para alugar em cidades como Cuiabá e Belém, mas um áudio de Galvan, dirigido a grupos de WhatsApp, reclamou de ausência de contribuição financeira de seus pares para a arregimentação do movimento.
Num dos vídeos de divulgação, o coordenador da marcha conclama apoiadores que diz ter em 100 cidades do país: “Nossos pais acabaram com os comunistas em 64, agora nós vamos garantir a democracia, a ordem e o progresso para nossos filhos”. Entre as bandeiras da marcha, além do voto impresso e auditável, está o projeto de lei contra a liberação da maconha e a pressão contra os decretos de isolamento social nos Estados. Nos últimos dias cresceu a confecção de faixas em defesa da polícia e contra a corrupção.
Dois ineditismos dão gás à mobilização: a operação policial de maior letalidade na história do Rio e o pedido feito pela Polícia Federal para que seja investigado o ministro Dias Toffoli. Além de tentar acuar o Supremo Tribunal Federal, o inquérito dissemina a cizânia interna. A denúncia partiu de uma delação homologada pelo ministro Edson Fachin.
Até a abordagem da CPI da Covid, pelos governistas, tem buscado municiar a estratégia bolsonarista ante a alavancagem lulista. Passou quase desapercebido na sessão da CPI da Covid o momento em que o senador Marcos Rogério (DEM-RO) mencionou a entrevista à Rede Globo de dona Déa Lúcia Vieira Amaral, mãe do humorista Paulo Gustavo, morto na semana passada por covid-19.
Ao mencioná-la, o senador disse que ela havia dado um grito de alerta contra o desvio de recursos públicos durante a pandemia. O presidente da CPI, Omar Aziz (PP-AM), reagiu de pronto (“Deu um grito no senhor que defende este governo”) mas não dissuadiu os governistas nem mesmo o depoente, o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten, que continuou a mentir mesmo sob ameaça de prisão.
Ao usar a mãe de um humorista cuja morte simbolizou a comoção da população com a tragédia nacional o senador ecoou a estratégia presidencial que encontrará vazão no sábado.
A polarização com Lula conta com quatro movimentos: Bolsonaro age contra a população, terceiriza a responsabilidade por seus atos, vale-se dos órgãos policiais para acuar as instituições e mobiliza a população para se voltar contra aqueles a quem atribui a situação em que o país se encontra.
Mesmo fora do governo, Wajngarten foi mensagem e meio desta estratégia. Repetiu mentiras ao longo de sete horas na expectativa de que se tornassem verdade, não para aquela comissão, mas para os segmentos da população nos quais o presidente, cada vez mais, se fixará. Prestou contas das campanhas promovidas na tentativa de mostrar serviço, quando, na verdade, apenas propagandearam negacionismo.
Ao divulgar a carta da Pfizer oferecendo a vacina, seis meses antes de o presidente editar a medida provisória que permitiu sua compra, Wajngarten pode ter tentado se blindar, mas também possibilitou a que Bolsonaro se valha do discurso de que quatro outras autoridades da República (Hamilton Mourão, Paulo Guedes, Eduardo Pazuello, Walter Braga Netto), tomaram conhecimento da proposta.
De tão descarado, o ex-secretário de Comunicação parecia perseguir o desfecho, o pedido de prisão do senador Renan Calheiros (MDB-AL). A estratégia ficou clara pela intervenção derradeira do senador Flávio Bolsonaro que defendeu Wajngarten se insurgindo contra o relator: “É um cidadão honesto com prisão pedida por um vagabundo.”
Como a estratégia é denunciar seus próprios atos como se de outrem fossem, até os tratores superfaturados revelados por Breno Pires (“O Estado de S.Paulo”) se encaixam. O #tratoraço segue um roteiro conhecido.
Governo e governistas alavancaram as emendas parlamentares que, como um vício, precisaram ser aumentadas no valor, no grau de obrigatoriedade de sua execução e na falta de transparência.
Apesar de sustentar Bolsonaro no poder, o esquema é agora denunciado pela própria tropa de choque do presidente, vide Marcos Rogério e Flávio Bolsonaro, e dará gás ao dia 15.
A prévia aconteceu no 1º de Maio. Para se contrapor ao ato suprapartidário das centrais sindicais, Bolsonaro atiçou manifestantes com dois propósitos: se insurgir contra as práticas de isolamento social de pré-candidatos da terceira via e eleger comerciantes e produtores rurais como os verdadeiros trabalhadores do país.
A polarização já começou. No melhor das hipóteses será resolvida pelas urnas. (Valor Econômico – 13/05/2021)
Maria Cristina Fernandes é jornalista do Valor Econômico