Ao responder questionamento do senador, ex-ministro da Saúde diz que ministro da Economia só ouviu explicações sobre a doença em março de 2020 (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, confirmou nesta terça-feira (04) na CPI da Pandemia, ao ser questionado pelo líder do Cidadania, Alessandro Vieira (SE), que o ministro da Economia, Paulo Gudes, não se interessou quando ele estava à frente da pasta, no ano passado, em procurar o Ministério da Saúde para ouvir explicações e dados sobre a pandemia de Covid-19 no País.
“É fato que o presidente da República e ministros com grande poder de decisão, como Paulo Guedes, até o dia 28 de março de 2020, pelo menos, nunca se interessaram em sentar e analisar os dados da saúde?”, perguntou o parlamentar do Cidadania.
“Sim, é fato. O ministro Paulo Guedes, a primeira vez em que ele escutou o ministro da Saúde explicar o que era a doença foi no dia dessa reunião em que o [senador] Nelsinho Trad [MDB-MS] foi lá na CCJ, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, com a presença do ministro Ramos, com a presença do presidente do Banco Central”, disse o ex-ministro.
“Eu estava indo para o Rio de Janeiro, eles pediram para eu voltar. Essa reunião foi feita por conta da votação, por parte da Câmara, do reajuste do BPC [Benefício de Prestação Continuada]. E lá é que eu pude explicar o que era a doença. Foi a primeira vez que o ministro da Economia soube. Isso nós já estávamos – eu não sei a data precisa – provavelmente em março. Foi a primeira vez que o Ministro da Economia me ouviu”, completou Mandetta.
Veja abaixo a íntegra das perguntas de Alessandro Vieira ao ex-ministro e as respectivas respostas.
Alessandro Vieira: Sr. Ministro, tentando ser o mais objetivo possível: que providência ou providências relevantes V. Sa. tentou adotar no Ministério da Saúde, e não conseguiu, e por qual razão?
Luiz Henrique Mandetta: Olha, eu acho que as primeiras seriam aquelas relacionadas a se eu tivesse o ritmo do vírus. Eu acho que a falta de clareza da China e da Organização Mundial da Saúde, durante 45 dias, foi determinante não só para o Brasil, mas para o mundo. Depois, a falta de condições internacionais, a falta de liderança; o mundo claramente não tem governança mundial para um problema como esse; eles vão ter que se entender. Foram os Estados Unidos passando por cima, a Alemanha passando por cima; houve a guerra das máscaras; houve medidas completamente desumanas, naquele período, mundialmente, que não deixavam, que nos imobilizaram; a nossa desindustrialização é um crime, é uma burrice. Eu gostaria muito de ter podido contar com muita coisa.
Agora, a única coisa que eu posso dizer, Senador, é que todas as medidas que eu tomei foram pela ciência e com o máximo de zelo com que eu podia tomar.
Alessandro Vieira: Sr. Ministro, é fato que o presidente da república e ministros com grande poder de decisão, como Paulo Guedes, até o dia 28 de março de 2020, pelo menos, nunca se interessaram em sentar e analisar os dados da saúde?
Luiz Henrique Mandetta: Sim, é fato. O ministro Paulo Guedes, a primeira vez em que ele escutou o Ministro da Saúde explicar o que era a doença foi no dia dessa reunião em que o Trad foi. Foi lá na CCJ, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, com a presença do Ministro Ramos, com a presença do Presidente do Banco Central.
Eu estava indo para o Rio de Janeiro, eles pediram para eu voltar. Essa reunião foi feita por conta da votação, por parte da Câmara, do reajuste do BPC. E lá é que eu pude explicar o que era a doença. Foi a primeira vez que o Ministro da Economia soube. Isso nós já estávamos – eu não sei a data precisa – provavelmente em março. Foi a primeira vez que o Ministro da Economia me ouviu.
Alessandro Vieira: V. Sa. alertou direta e objetivamente o Presidente da República, em reuniões presenciais e através de documento escrito, no sentido de que a conduta presidencial de gerenciamento da crise iria levar o Brasil a uma catástrofe, com milhares de mortos? Se sim, quem pode confirmar esse seu relato?
Luiz Henrique Mandetta: Todos os ministros. Nós tínhamos reuniões de ministros na presença de todos. Todos os ministros que participavam todas às terças-feiras. Teve reuniões específicas sobre isso. Além de eu ter entregue uma carta em mãos ao Presidente. Nessa carta, além daquele trecho que eu li, coloquei claramente: imperioso – imperioso –, sobretudo, zelar pelos médicos, enfermeiros e todos os profissionais de saúde, por serem a principal linha de frente do trabalho em saúde no País, constituindo o grupo de maior risco, uma vez que são os mais expostos – por escrito.
Alessandro Vieira: Sr. Ministro, V. Sa. alertou o presidente da República no sentido de que a realização de gastos públicos relevantes com medicamentos como a cloroquina, sem aval científico relevante, poderia ser enquadrada como crime de improbidade?
Luiz Henrique Mandetta: Inclusive, o parecer, dentro do nosso ministério, da AGU, que trabalhava comigo, é que, quando um ministro vai fazer a compra de qualquer item, ele tem que passar pela Conitec, que é a comissão de incorporação técnico-científica. Eu não posso, como ministro, decidir comprar um remédio qualquer porque eu quero, eu preciso passar por um comitê técnico. E esse medicamento não passava no comitê, porque o primeiro item do comitê é: onde está a evidência científica?
Luiz Henrique Mandetta: Então, esses gastos todos foram feitos sem passar pela incorporação na Conitec, portanto, a minha AGU colocou claramente que aquilo não seria correto do ponto de vista da probidade administrativa.
Alessandro Vieira: Aproveitando essa sua resposta, eu gostaria que o senhor reservasse algum tempo para esclarecer não só à CPI, mas a quem nos acompanha, essa diferença que existe entre a autonomia na relação médico-paciente e o desenvolvimento de uma política pública com gastos. Na autonomia médico-paciente, como o Conselho Federal de Medicina já assinalou, é possível você ter uma certa liberalidade no uso de medicamentos fora da bula, mas não é possível fazer uma política pública, muito menos gastar centenas de milhões de reais, sem evidências científicas qualificadas. É isso mesmo?
Luiz Henrique Mandetta: Exatamente, por isso que você tem que passar por essa comissão de incorporação; caso contrário, você teria uma… Imagine na coisa pública a diferença básica. Na iniciativa privada, você pode fazer tudo, desde que a lei não lhe proíba; e, na coisa pública, você pode fazer tudo, desde que a lei te autorize.
E a lei não autoriza que o Ministro da Saúde proceda dessa maneira sobre a sua ótica pessoal ou de quem quer que seja. Não pode o interesse particular… Senão nós estaríamos em completa distonia com o princípio da coisa pública.
Alessandro Vieira: E, para encerrar, economizando o tempo da CPI. V. Sa. entende que é possível afirmar com clareza que as ações e omissões do Governo Federal contribuíram de forma expressiva para a disseminação do vírus, o aumento no número de internações e de mortes no Brasil?
Luiz Henrique Mandetta: Entendo que esse é o trabalho de V. Exa. e de todos os pares dessa… Cabe a mim relatar quais eram as orientações dos órgãos científicos, técnicos.
Nós sabíamos das dificuldades que teríamos; nunca fomos iludidos de achar que isso aqui seria uma solução igual à da Nova Zelândia. Mas posso lhe dizer que o Brasil podia ter feito muito melhor – eu acho que esse é o ponto. Assim, é o meu sentimento como gestor e a minha frustração de não ter sido capaz de explicar isso de uma maneira ainda mais clara, mesmo escrevendo, desenhando, explicando: “Olha, o vírus é um bichinho que está no ar”. Foi realmente lamentável.