Depoimento de Mayra Pinheiro na CPI ilustra protocolo político instalado na Saúde
Dois médicos dizem que deixaram o cargo de ministro da Saúde porque discordavam de Jair Bolsonaro na defesa de medicamentos ineficazes contra a Covid-19. Outra médica, subordinada a eles, teve destino diferente. Alinhada à plataforma do presidente, ela sobreviveu à sucessiva dança das cadeiras e foi premiada com mais projeção na pasta.
A longevidade de Mayra Pinheiro tem explicação. A CPI da Covid mostrou que a secretária de Gestão e Trabalho foi uma peça-chave na orientação do uso abrangente de cloroquina. Além disso, ela já declarou que medidas de isolamento causaram “pânico na sociedade” e que a contaminação de crianças nas escolas teria um “efeito rebanho” positivo.
A CPI ouviu a funcionária de segundo escalão para mostrar que o governo adotou um protocolo político no Ministério da Saúde. Ela assistiu à saída de Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, mas ficou no cargo porque integra a máquina que trabalha para transformar convicções de Bolsonaro em diretrizes oficiais.
O presidente, de terno escuro, gravata listrada e camisa branca, está ao lado da médica, que tem os cabelos castanhos com as pontas mais clars e sorri, usando um blazer e uma camiseta branca; ao fundo, se entrevee a bandeira do Brasil
O depoimento ilustrou o funcionamento desse aparelho. Senadores perguntaram por que o governo ignorou recomendações contra o uso da cloroquina. A secretária respondeu que o ministério “não precisa fazer suas orientações baseado em outras instituições”. Ela deixou claro, porém, que a pasta seguiu opiniões a favor do remédio —a favor, portanto, das preferências de Bolsonaro.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania) apontou que o ministério obedeceu às obsessões do presidente. “No começo, todo mundo testou cloroquina, porque todo mundo queria uma solução rápida, barata, que não paralisasse a economia”, disse.
Apesar da sintonia, Mayra foi na contramão de Bolsonaro em pontos como o uso de máscaras. Embora o presidente já tenha dito que a proteção não funciona, a secretária afirmou que ela pode reduzir a transmissão do vírus. A máquina da Saúde, porém, ficou ao lado do presidente por mais de um ano. A pasta só lançou neste mês uma campanha oficial em defesa do equipamento. (Folha de S. Paulo – 26/05/2021)
Bruno Boghossian, jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA)