A defesa de uma estrutura estatal forte e intervencionista não é vista nos Estados Unidos desde a posse do presidente Ronald Reagan, há 40 anos
por Christopher Mendonça*
Pouco mais de três meses como chefe do governo norte-americano, o presidente Joe Biden foi recebido, há algumas semanas, na sede do Congresso dos Estados Unidos. Com uma audiência presencial reduzida e sob um forte esquema de segurança, justificado pelos últimos eventos registrados no Capitólio, a recepção foi marcada por um clima amistoso.
A deputada Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, foi uma das anfitriãs da noite, ladeada pela colega de partido, a vice-presidente Kamala Harris, que exerce constitucionalmente a presidência do Senado. O cenário foi de total conforto para o discurso do presidente, que, por cerca de uma hora, buscou apresentar aos congressistas uma estratégia de governo bastante distinta daquela praticada nos últimos anos.
Um dos pontos mais importantes de sua fala se referiu à atuação do Estado na economia. De acordo com o novo presidente dos Estados Unidos, um governo de verdade é a solução para os problemas do país.
Desde a posse do presidente republicano Ronald Reagan, há 40 anos, a defesa de uma estrutura estatal forte e intervencionista não havia sido tão claramente defendida por um chefe de Estado norte-americano. Ao considerar, em 1981, que “governo é o problema e não a solução”, Reagan fez escola e incentivou, inclusive, o presidente democrata Bill Clinton, em um discurso do Estado da União em 1996, a afirmar que “a era do governo grande acabou”.
Mesmo sob um perfil mais reservado – bastante distinto do antecessor –, o presidente Biden tem agido de forma rápida nas medidas contra a crise vivida na atualidade, em razão da pandemia. Em março deste ano, conseguiu a aprovação congressual para um resgate de US$ 1,9 bilhão e já apresentou um plano de infraestrutura que envolve investimentos da ordem de US$ 2,3 bilhões.
Ademais, aproveitou o encontro com os legisladores para iniciar as negociações de um aporte financeiro de cerca de US$ 1,8 trilhão para a ampliação da educação pública.
Após o corte promovido por Donald Trump, em 2017, na taxa tributária do país, o sucessor segue no sentido oposto. A pretensão de Biden é arcar com os custos do seu “pacote social” aumentando a tributação dos grupos econômicos mais ricos e afirmando que a classe média não será atingida por tais medidas.
Nesta primeira fase do governo Biden, o recado está sendo transmitido de forma clara: pretende-se enterrar o discurso neoliberal e retomar o crescimento dos Estados Unidos a partir do Estado. Dados da Pew Research, importante agência de pesquisa norte-americana, indicam que o discurso do presidente tem surtido efeito em sua popularidade. O levantamento mais recente da agência mostra que o atual morador da Casa Branca foi superado apenas por Barack Obama e que, considerando os cem primeiros dias de governo, Biden ostenta 20 pontos porcentuais de aprovação popular frente ao ex-presidente Trump.
A criação recorde de empregos para o período – 1,3 milhão de novos postos – e os resultados positivos do combate ao coronavírus têm sido importantes propulsores de popularidade presidencial. O ex-presidente Trump, por sua vez, defende que estas conquistas não devem ser atribuídas ao novo governo, mas aos esforços realizados sob sua gestão, tanto no combate ao desemprego quanto nos incentivos ao desenvolvimento de uma vacina capaz de proteger a população.
Os questionamentos que surgem diante deste momento de quase “lua de mel” entre o país e seu presidente se referem ao preço a ser pago por esta nova agenda social. Os norte-americanos realmente estão dispostos e preparados para uma mudança no paradigma a respeito da participação efetiva do Estado na economia?
*Christopher Mendonça é doutor em Ciência Política, professor de Relações Internacionais do Ibmec-BH e presidente do Cidadania em Campo Belo (MG)