Luiz Carlos Azedo: Os 100 dias de Biden

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Segundo o BEA (Bureau of Economic Analysis), do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, o PIB (Produto Interno Bruto) norte-americano cresceu à taxa anualizada 6,4% no 1o trimestre em relação aos três meses anteriores. Esse resultado foi superior ao registrado no trimestre anterior, de 4,3%, e está sendo comemorado pelo presidente democrata Joe Biden, que hoje completa 100 dias de governo. Emblematicamente, a avaliação desses 100 dias é uma tradição iniciada em 1933, no primeiro mandato de Franklin Roosevelt, no qual o novo presidente norte-americano se espelha.

Roosevelt fez um governo revolucionário ao seu tempo. À época, a crise do liberalismo econômico levou à maior intervenção do Estado sobre a economia e à reestruturação das práticas capitalistas do século passado. O crash da Bolsa de Nova York, em 1929, havia posto em xeque os princípios da economia clássica, ao deflagrar uma das maiores crises da história do capitalismo. Eleito em 1932, o desafio de Roosevelt fora reerguer a economia. Para isso, recorreu às ideias do economista John Maynard Keynes. O New Deal foi sua alternativa de desenvolvimento econômico.

Entre outras ações, o New Deal estabelecia o controle na emissão de valores monetários, o investimento em setores básicos da indústria e a criação de políticas de emprego. Roosevelt buscou uma recuperação econômica segura e gradual, com ações para conciliar as questões econômicas e sociais, o chamado welfare state (Estado do bem-estar social), que perdeu sustentabilidade no final da década de 1970, quando o neoliberalismo de Margareth Tatcher começou a ganhar fôlego. Com a eleição do presidente Ronald Reagan, em 1980, porém, um novo ciclo liberal foi iniciado, inspirado no chamado Consenso de Washington.

Biden parece disposto a fazer uma ruptura radical na economia. Mantém o pé no acelerador para neutralizar qualquer tentativa de o ex-presidente Donald Trump, que não conseguiu se reeleger, voltar ao poder. Logo após a sua posse, em 20 de janeiro, promulgou um projeto de lei para enfrentar a pandemia da covid-19 de US$ 1,9 trilhão (cerca de R$ 10,3 trilhões), com um auxílio de US$ 1.440 para a população diretamente atingida pela crise.

Seu governo atingiu a meta de 200 milhões de doses de vacinas de coronavírus aplicadas, agora já disponíveis a todos com 16 anos. O desemprego está caindo, os pedidos de seguro-desemprego atingiram o ponto mais baixo na pandemia e as escolas reabriram para aulas presenciais. Recentemente, Biden assinou um programa de recuperação da infraestrutura da ordem de US$ 2,3 trilhões e outro para a educação, no valor de US$ 1,8 trilhão. É uma injeção de US$ 4 trilhões na economia dos EUA.

Ficou a pé

Biden mudou a política externa dos Estados Unidos: retornou ao Acordo de Paris e à Organização Mundial da Saúde, travou o financiamento do muro na fronteira com o México e anunciou a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão. Foi aí que o presidente Jair Bolsonaro caiu do cavalo. A mudança deixou o Brasil sozinho no relacionamento conflituoso com a OMS (Organização Mundial da Saúde) e muito isolado no plano internacional, por causa da questão ambiental. Bolsonaro reproduzia a política externa de Donald Trump e seu negacionismo até com mais virulência.

Com a mudança de rumo, o chanceler Ernesto Araújo, que posava de ideólogo da política externa, foi defenestrado do cargo. Agora, quem está na berlinda é o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, completamente desacreditado, interna e externamente. Na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)), a aceitação do Brasil dependerá da mudança de rumo na questão climática; porém, na União Europeia, o acordo com o Mercosul será ainda mais difícil, pelo mesmo motivo. Mas o maior impacto da mudança na Casa Branca ainda está por vir: será na política econômica. O projeto ultraliberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, foi para o espaço na pandemia. Com a mudança de rumo nos EUA, só falta agora o próprio ministro se ejetar da cadeira. (Correio Braziliense – 30/04/2021)

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