O Brasil é o campeão do mundo em mortes diárias por Covid-19. Tivemos, segundo Margareth Dalcolmo, o março mais triste de nossas vidas e, infelizmente, começa o abril mais triste de nossas vidas.
Estamos isolados no mundo. Não podemos viajar para encontrar nossos parentes no exterior, muito menos para realizar os negócios essenciais num mundo globalizado.
O fantástico Orçamento produzido pelo Centrão é, na verdade, um ataque de gafanhotos à nossa horta financeira. Não há mais governabilidade.
Um leitor me escreve perguntando até quando continuaremos discutindo e argumentando enquanto as pessoas vão morrendo às pencas.
Devo responder que ainda não encontrei outro caminho. Mas era só o que faltava, no auge da maior crise que o Brasil enfrenta ao longo de tantos anos, acrescentar uma pitada de autoflagelação.
Tudo o que podemos fazer é prosseguir isolando Bolsonaro para derrubá-lo no momento em que for possível, ainda que isso só possa acontecer em 22. E julgá-lo também por sua incompetência assassina, quando for possível e tivermos força para que a Justiça não falhe. Bolsonaro tem algumas características que podem absolvê-lo em certos tribunais brasileiros. Uma delas é a grande quantidade de provas contra ele. Já houve no país casos de absolvição por excesso de provas.
No momento, é preciso reunir forças contra a pandemia, salvar vidas. Aqui e ali, Bolsonaro tentará dar golpes de Estado. Mas o vírus não se curva a tanques e canhões. No fundo, a tarefa fundamental continuará a mesma até neutralizarmos essa peste.
Desde o ano passado, sabemos que a vacina é arma estratégica. Só o obtuso presidente ignorava essa realidade. Agora corremos contra o tempo.
Mas temos que buscar outras saídas, diuturnamente. Surgiram remédios que me trazem agora a mesma esperança que tive quando surgiram os coquetéis contra a Aids.
A diferença para mim, que estudo como um leigo desesperado, é que os coquetéis de agora são de anticorpos monoclonais, essas proteínas que o próprio organismo produz para atacar vírus, bactérias e até células cancerosas.
Aliás, meu palpite é que o pulo do gato nasceu aí, dessa luta contra células cancerosas. Os grandes laboratórios aproveitaram o avanço nas pesquisas contra o câncer e sintetizaram anticorpos que podem neutralizar o vírus.
Alguns desses experimentos já passaram pela fase 3 de pesquisa, assim como as vacinas que hoje usamos a conta-gotas no Brasil.
Um deles é da Regeneron e foi usado para curar Donald Trump na véspera das eleições. O outro, com resultados muitos bons, é o da Eli Lilly, que está sendo submetido a um exame da Anvisa para ser licenciado no Brasil.
Esses medicamentos são um pouco diferentes do Remdesivir, aquele que foi aprovado recentemente. O Remdesivir é um antiviral, custa em torno de R$ 20 mil e apenas reduz o tempo de hospitalização. É um custo-benefício duvidoso.
No entanto os anticorpos monoclonais têm um poder maior e, se a Anvisa também chegar a essa conclusão, examinando o material apresentado, teríamos que correr contra o tempo e tentar evitar este massacre cotidiano no Brasil, reduzindo logo o número de mortes.
De qualquer forma, esses remédios não são necessários no mesmo volume que as vacinas. Estas são compradas para toda a população, ou para uma grande parte dela. Os remédios são apenas para uma fração dos doentes que apresentam sintomas mais graves.
Os males da passagem da extrema-direita pelo poder transcendem o governo Bolsonaro. Levaremos anos para repará-los aqui, e talvez anos para podermos olhar o Brasil no espelho do mundo, sem recuarmos horrorizados e constrangidos.
Por isso, caro leitor, nossa tarefa será muito longa e árdua. Temos que lembrar a frase de um personagem de Guimarães Rosa: “Quem mói no áspero não fantasia”. (O Globo – 05/04/2021)
Fernando Gabeira, jornalista