Nesta quinta-feira (22) comemora-se o Dia da Terra. Entre muitas homenagens e denúncias, ocorre a Cúpula de Líderes sobre o Clima, evento organizado pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, cujo objetivo principal é definir compromissos, concretos e executáveis, para a redução das emissões dos gases de efeito estufa que promovem as mudanças climáticas. O Brasil faz parte deste compromisso global, mas não da forma como gostaríamos.
Se o Brasil imaginário, vendido ao mundo pelo presidente Jair Bolsonaro em sua carta a Biden, é um amigo do meio ambiente, que cumpre suas metas e compromissos com o planeta, o Brasil real tem levado o país a ser visto como um pária ambiental. Afinal, os últimos dois anos foram marcados por total desgoverno. Muitas das medidas listadas por Bolsonaro tiveram origem e implementação em governos anteriores. Pior. Alguns dos programas mais efetivos no controle do desmatamento na Amazônia, como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e o Plano das Queimadas na Amazônia Legal e no Cerrado (PPCDam e PPCerrado), implementados e executados desde 2004, foram encerrados pelo atual governo.
Um dos ganhos do PPCDam foi a coordenação pela Casa Civil da Presidência da República, transferindo a questão do desmatamento para a área central do governo e eliminando a realização de ações contraditórias pelos diferentes ministérios. Este programa gerou uma redução de 83% do desmatamento anual na Amazônia, caindo de 27.772 km2 para 4.571 km2 entre 2004 e 2012 e se mantendo nos anos seguintes. Contudo, o desmatamento cresceu vertiginosamente e chegamos ao volume de 11.088 km2 em 2020 após a interrupção do PPCDam em 2019.
Importante ressaltar que este governo, que se compromete a reduzir o desmatamento até 2030, extinguiu em janeiro de 2019 o Departamento de Florestas e de Combate ao Desmatamento (DFCD), no Ministério do Meio Ambiente, e eliminou qualquer referência ao desmatamento na administração pública federal. Um sinal político claro de destruição da política brasileira de combate ao desmatamento.
Somente em novembro de 2020, após muita pressão, foi criado um Plano Operativo para o Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa 2020-2023, e todo o combate ao desmatamento foi delegado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), órgão que também vem sendo continuamente enfraquecido, sem fundos e recursos humanos suficientes para a realização das suas ações.
Não nos surpreende, portanto, que o Global Forest Watch aponta o Brasil como o país que mais destrói florestas primárias no mundo, desmatando 3,5 vezes mais do que o segundo país da lista, a República Democrática do Congo. Outro dado relevante é que temos, segundo o Prodes, sistema de monitoramento do desmatamento por satélite, 80,9% de área intacta na Amazônia e não os 84% declarados na carta do presidente Bolsonaro. Percentual que tende a reduzir ainda mais, dado que o desmatamento nos estados da Amazônia está em ritmo acelerado.
Apesar de elencar a pobreza e a falta de oportunidades como problemas na região Amazônica na sua carta, não existe hoje, no governo federal, políticas públicas concretas para eliminar o desmatamento ilegal no Brasil até 2030 nem planos para impulsionar a bioeconomia ou promover a justiça ambiental.
A bioeconomia é um caminho possível. Estruturar oportunidades, mantendo a floresta em pé, já é uma realidade nos diversos biomas brasileiros. Faltam, contudo, investimentos em ciência, tecnologia e inovação para que tenham escala e sejam, efetivamente, alternativas à monocultura. Na bioeconomia, os povos indígenas e as comunidades tradicionais são valorizadas e seus saberes ancestrais integrados aos conhecimentos científicos modernos. Ações diametralmente opostas ao que o governo federal vem executando, com manifestações públicas constantes contra a demarcação de terras indígenas e descredibilização destes saberes.
Quanto às emissões de gases de efeito estufa, houve um aumento de 9,6% em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro. Apesar de o Brasil representar menos de 4% das emissões globais, é o quinto maior emissor de gases de efeito estufa do planeta, atrás apenas de China, Estados Unidos, Índia e Rússia.
Considerando a realidade atual, o país dificilmente irá atingir as metas previstas na sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), assumida no âmbito do Acordo de Paris e relatada pelo presidente Bolsonaro em sua carta. Contudo, o inventário das nossas emissões aponta uma alta e indica que estamos vivendo um retrocesso.
A carta presidencial atribui ao Plano Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC) a recuperação de 28 milhões de hectares de pastos degradados entre 2010 e 2018, mas estudo da Embrapa projeta a recuperação de somente 10 milhões de hectares.
Os dados incorretos, por si só, já demonstram a falta de comprometimento do governo federal com a pauta. Mas é ultrajante a alegação de que, para eliminar o desmatamento ilegal no Brasil até 2030, serão necessários recursos vultosos e políticas públicas abrangentes, com apoio da comunidade internacional, governos, setor privado e sociedade civil, quando nos últimos dois anos foram destruídos todos os canais de colaboração e recursos, oriundos das ações de restauração florestal que foram bloqueados junto com o finado Fundo Amazônia.
O presidente Bolsonaro, em sua carta e em seus discursos, mais uma vez manipula informações e promove a desinformação. Efetivamente não assume compromissos reais e acoberta as inúmeras iniciativas destrutivas das políticas ambientais em curso.
Os brasileiros não precisam de um país imaginário, com promessas e mentiras. O mundo também rejeita o projeto de destruição ambiental que vivenciamos. O que queremos é a reconstrução dos programas que, no passado, fizeram o Brasil ser referência na proteção do meio ambiente. O que queremos é o nosso futuro de volta. (Folha de S. Paulo/Tendências-Debates – 22/04/2021)
Alessandro Vieira, senador da República (Cidadania-SE)