Míriam Leitão: Bolsonaro piora crise do governo

O governo Bolsonaro está numa crise sistêmica. As áreas estão colapsando, nada funciona. O presidente ficou acuado pelo centrão, que queria mais espaço, e pelos movimentos do Senado contra o ex-ministro das Relações Exteriores. Cedeu, mas fez ao mesmo tempo várias mudanças e numa delas tocou numa questão sensível: a militar. Na semana passada, ele foi claro com o general Fernando Azevedo. Queria que o Exército desse “mais demonstração de apreço” ao governo dele. Era nova pressão para tirar o comandante do Exército, Edson Pujol. Uma fonte próxima do presidente, e também militar, me disse que o general Azevedo também “estava cansado dessa loucura toda”.

A demissão de Fernando Azevedo desviou as atenções do fato de que o Senado exigiu a cabeça de Ernesto Araújo e a obteve. O que é um alívio, porque Ernesto foi um desastroso ministro das Relações Exteriores. “Para não mostrar sinal de fraqueza, ele jogou a bomba para desviar a atenção”, me contou uma fonte do governo. Nas Forças Armadas, a demissão do ministro da Defesa foi entendida como sendo o passo para que Bolsonaro tente usar o que ele chama de “meu Exército”. O general Fernando Azevedo vinha tentando fazer “um meio de campo”, me disse a fonte, para evitar que o presidente continuasse com o seu projeto de tratar as Forças Armadas como se dele fossem.

Essa fumaça toda não consegue esconder o colapso gerencial em diversas áreas. Não é apenas na política externa. Na saúde, educação, diplomacia, economia, articulação política, Casa Civil. Esse governo é incompetente, mas o nível a que chegou durante a pandemia é como se fosse uma pessoa com artérias entupidas fazendo um teste de esforço. Está infartando. O país vai tentando contornar os obstáculos, criando vias alternativas, mas nem sempre consegue. O problema é que o preço tem recaído sobre a sociedade, quando ela mais precisa que a administração pública funcione.

O centrão acha que pode corrigir essa bagunça e está pedindo vários ministérios. Nos últimos dias pediu seis. Queria a Saúde, mas não obteve. Quer Turismo, Educação, Minas e Energia, Secretaria de Governo e Casa Civil. Bolsonaro teve que ceder, e nomeou a deputada Flávia Arruda para a articulação política. O delegado Anderson Torres, da PF, que virou ministro da Justiça, é ligado a Bolsonaro, mas agrada também à bancada da bala, e vai aprofundar a intervenção na PF. O centrão pedirá mais para apoiar um governo em desmonte. Mesmo se Bolsonaro ceder, não resolverá a crise. Não é uma questão de reposição de peças. Há muitos problemas criados por ineficiência dos ministros, e o presidente em si é um fator desorganizador de toda a administração.

O orçamento todo defeituoso e cheio de ilegalidades fiscais não foi feito sozinho pelo senador Márcio Bittar. Ele é resultado também dos erros da articulação política comandada pelo general Eduardo Ramos, agora na Casa Civil, e das omissões do Ministério da Economia. No fim de semana, o Tesouro informou ao governo que aquilo não podia ser sancionado. O medo que ronda o governo é que sancionar torne o presidente parte do crime de responsabilidade fiscal. Expressão que Bolsonaro treme só de ouvir. A demissão do Advogado-Geral da União, José Levi, foi pelo fato de a AGU não ter assinado a ação contra os governadores no Supremo que, pela falta dessa assinatura, foi derrubada pelo ministro Marco Aurélio.

Bolsonaro escalou a sua pressão para usar os militares da ativa. Por isso Azevedo escreveu na nota que “preservou as Forças Armadas como instituições do Estado”. O general Pujol se colocou como um obstáculo ao desejo de Bolsonaro. Ele decidiu demitir Pujol. O então ministro da Defesa se colocou na frente. Agora os comandantes das três Forças serão substituídos. Azevedo sempre será criticado por ter estado naquele helicóptero que sobrevoou uma manifestação antidemocrática no ano passado. Mas militares explicam que foi uma armadilha de Bolsonaro. Na hora de entrar no helicóptero para fazer uma exibição de força, ele puxou o ministro da Defesa. Azevedo admitiu a colegas que foi constrangido e, assim que pousaram, ele foi para longe daquela manifestação.

Bolsonaro tentou fazer três movimentos ontem. Agradar o centrão, acalmar o Senado, que estava em pé de guerra, e derrubar mais barreiras para o uso dos militares da ativa para demonstrar força e dissuadir adversários. (Com Alvaro Gribel, de São Paulo/O Globo – 30/03/2021)

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