Luiz Carlos Azedo: O príncipe audacioso

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Nicolau Maquiavel, o fundador da ciência política moderna, viveu o esplendor da República Florentina (fundada em 1115), durante o governo de Lorenzo de Médice (1449 1492), antes de ser transformada num ducado hereditário pelo papa Clemente II, em 1532. Não há texto mais lido pelos políticos do que O Príncipe, sua obra-prima. A razão é simples: Maquiavel trata da conquista e da preservação do poder. Uma de suas edições mais interessantes, por exemplo, é a comentada por Napoleão Bonaparte (Ediouro), que esbanja bom humor e ironias. Nem por isso deixou de perder a guerra contra Rússia e, depois, contra os ingleses, em Waterloo, na Bélgica.

Uma das lições de Maquiavel é sobre os príncipes que chegam ao poder mais pela sorte (Fortuna) do que por suas virtudes (Virtù). Esses são os que têm mais dificuldade para se manter no poder quando as circunstâncias mudam. Parece o caso do presidente Jair Bolsonaro. Não se pode dizer que sua ascensão ao poder não teve grande preparação. Teve, sim; por anos a fio, Bolsonaro cultivou a representação política de certas corporações e grupos de interesse — militares, policiais, agentes de segurança, milicianos, grileiros e madeireiros — , além de ruralistas.

Mesmo assim, isso não seria suficiente para chegar à Presidência, embora lhe garantisse uma base de apoio muito ativa. Foi fundamental também o apoio das igrejas evangélicas, capturando o sentimento de preservação da família unicelular patriarcal ameaçada pela renovação dos costumes, e de setores reacionários e conservadores da classe média tradicional, insatisfeita com a insegurança e perda de poder aquisitivo causadas, respectivamente, pela revolução tecnológica e recessão econômica. Um episódio imprevisto praticamente decidiu o rumo da campanha eleitoral de 2018: a facada que levou em Juiz de Fora. O atentado tresloucado praticamente zerou a rejeição que sofria em certos segmentos, que o demonizavam, e reforçou o sebastianismo salvacionista de quem já o considera um mito.

Havia também um cenário internacional muito favorável à eleição de Bolsonaro, com Donald Trump na Presidência dos Estados Unidos e outros líderes de direita em países importantes da América Latina e da Europa. Todos surfavam a crise das democracias representativas e o aprofundamento das desigualdades provocadas pela globalização. A situação agora é completamente diferente. A pandemia de covid-19 virou tudo de pernas para o ar. Trump perdeu a reeleição para o democrata Joe Biden, outras lideranças conservadoras se reposicionaram em relação à crise sanitária e às políticas econômicas ultraliberais.

Reeleição

A pandemia nos revela que Bolsonaro tem mais dificuldades para se manter no poder num cenário adverso do que teria se tivesse chegado ao governo pela Virtù. Seu governo é um fracasso sanitário e econômico. Sustenta-se pelas regras do jogo democrático e pela opção inteligente dos generais do Palácio do Planalto, que operaram a aliança com o Centrão, em favor de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), na disputa das Mesas da Câmara e do Senado, respectivamente. Também puxaram o freio de mão no confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF).

A reeleição de Bolsonaro subiu no telhado. Além da pandemia e da recessão, agora tem um adversário calejado e com sangue nos olhos: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A anulação de suas condenações pelo ministro Edson Fachin, fez de Lula uma alternativa de poder, repercutindo em todo o cenário político. O que pode mudar esse jogo é o surgimento de um príncipe audacioso, que rompa a polarização entre Bolsonaro e Lula, o que não é nada fácil. As alternativas são o governador de São Paulo, João Doria (PSDB); o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro; o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (DEM); e o apresentador da TV Globo Luciano Huck. O problema é que isso não depende só da vontade de cada um; na democracia, quem escolhe o príncipe audacioso é o povo. (Correio Braziliense – 14/03/2021)

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