NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE
O presidente Jair Bolsonaro indicou o médico paraibano Marcelo Queiroga, presidente da Associação Brasileira de Cardiologia, para o cargo de ministro da Saúde, no lugar do general de divisão da ativa Eduardo Pazuello, que deve voltar à caserna. Foi o desfecho de três dias de muita confusão e intensa fritura do militar, que atuou de forma desastrada à frente da pasta, seguindo cegamente a orientação do presidente da República durante a pandemia da covid-19. Queiroga assumirá o cargo sob forte desconfiança, depois da recusa da médica goiana Ludhmila Hajjar, que fora convidada por Bolsonaro, mas recusou o convite por discordar da orientação do chefe do Executivo.
O convite à cardiologista e intensivista do Hospital das Clínicas foi um tiro no pé. Hajjar pretendia promover um choque de gestão à frente do Ministério da Saúde, defendendo a criação de leitos e preparação das equipes de atendimento à covid-19; o apoio ao lockdown decretado por governadores e prefeitos; a formação de um comitê de crise 24 horas para apoiar as demais autoridades do Sistema Único de Saúde (SUS); e mobilização das sociedades médicas, a rede de saúde privada e as empresas para combater a pandemia. A médica também é contrária ao uso de cloroquina e outros medicamentos sem eficácia comprovada no “tratamento precoce”, defendendo um protocolo unificado de tratamento que adote as melhores práticas comprovadas.
As conversas entre Bolsonaro e Hajjar, no domingo e ontem pela manhã, foram um desastre, por causa das divergências entre ambos e do fato de que os bolsonaristas fizeram intensa campanha de difamação contra a médica, que sofreu ameaças de morte e até tentativa de invasão do seu quarto no hotel de Brasília, onde pernoitou. Ingenuamente, estimulada por políticos e autoridades de quem tratou de covid-19, Hajjar imaginou que Bolsonaro estava disposto a mudar a orientação do Ministério da Saúde. Suas posições críticas em relação à pandemia eram públicas e conhecidas. Frustrada pelo fato de que o presidente não pretende mudar a orientação do Ministério da Saúde e assustada com os ataques que sofreu dos partidários do chefe do Planalto, Hajjar resolveu revelar à imprensa a conversa com Bolsonaro e denunciar as agressões que sofreu, reiterando, também, suas posições sobre o combate à pandemia.
Bolsonarista raiz
Com as horas contadas no cargo, Pazuello fez uma prestação de contas de sua atuação à frente da pasta na tarde de ontem. Focou na aquisição de vacinas contra covid-19, cujo atraso está sendo desastroso. Em nenhum momento reconheceu seu fracasso ou fez autocrítica. Na verdade, a troca de ministro não está ocorrendo para mudar a política do Ministério da Saúde ou porque Bolsonaro estava insatisfeito com Pazuello. O general foi defenestrado porque os líderes do Congresso exigiram sua substituição para evitar a instalação de uma CPI voltada a investigar a sua atuação à frente da pasta, como deseja a oposição.
Enquanto Pazuello concedia sua entrevista de despedida, Queiroga se reunia com Bolsonaro no Palácio do Planalto. Logo depois, o próprio presidente anunciou sua indicação: “Foi decidido, agora à tarde, a indicação do médico, doutor Marcelo Queiroga, para o Ministério da Saúde. Ele é presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. A conversa foi excelente, já conhecia há alguns anos, então não é uma pessoa que tomei conhecimento há poucos dias. Tem tudo, no meu entender, para fazer um bom trabalho, dando prosseguimento em tudo que o Pazuello fez até hoje”, afirmou à porta do Palácio da Alvorada.
Queiroga é bolsonarista raiz, será o quarto ministro da Saúde desde o começo da pandemia da covid-19, há pouco mais de um ano; seus antecessores foram o médico e ex-deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) e o médico oncologista Nelson Teich, além de Pazuello. Formado em medicina pela Universidade Federal da Paraíba, fez residência em cardiologia no Hospital Adventista Silvestre, no Rio de Janeiro. Tem especialização em hemodinâmica e cardiologia intervencionista. Indicado por Bolsonaro para ser um dos diretores da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), não chegou a ocupar o cargo, porque dependia ainda de aprovação do Senado. Assume para dar continuidade à política de Bolsonaro. Ou seja, a crise continua. (Correio Braziliense – 16/03/2021)