Alinhamento de casas legislativas ao Executivo facilita reformas, mas produz deficit de accountability
A eleição de presidentes das casas legislativas alinhados com o Executivo tem efeitos complexos sobre a agenda do governo e a probabilidade de sua aprovação e sobre o controle parlamentar do Executivo (via impeachment, CPI etc). Sem essa distinção, acabamos confundindo alhos com bugalhos.
O que é mais instigante é que esses dois aspectos estão inversamente correlacionados, como mostrou Kaare Strom et al: quanto maior a capacidade de aprovar a agenda de governo, menor a responsabilização do Executivo.
O desenho institucional das democracias importa para o controle parlamentar. Nos regimes parlamentaristas, esse tende a ser mais débil do que nos presidenciais. Afinal, nos governos unipartidários, o gabinete não é senão um comitê executivo do partido majoritário; nos sistemas multipartidários, ele é apenas um comitê da coalizão que dá sustentação ao Executivo. Membros da coalizão não têm incentivos para fiscalizar ou denunciar irregularidades intracoalizão (embora a defecção de micropartidos derrube governos, como na Itália).
Em regimes presidenciais, os incentivos são fortes, sobretudo quando a oposição controla o Poder Legislativo. Caso contrário —como o exemplo recente de Trump mostrou—, o controle é abortado. No presidencialismo de coalizão idem, embora o risco de defecção de aliados seja maior.
Uma das consequências dessa situação de débâcle da responsabilização é que o Judiciário é instado a cumprir esse papel. Veja-se o caso da CPI da Petrobras: os depoentes ensaiavam suas falas em combinação com o governo, e o relator, Marcos Maia (PT-RS), não denunciou ninguém no relatório inicial.
O alinhamento Executivo-Legislativo, por sua vez, aumenta a capacidade de o governo aprovar sua agenda. Sob uma maioria congressual oposicionista, há o risco potencial de confronto paralisante. Embora isso não tenha ocorrido nos EUA, onde, segundo Frances E. Lee, malgrado a polarização, mais de 75% do output legislativo nos últimos 30 anos tem apoio bipartidário, o presidencialismo e maior potencial de conflitos.
O presidencialismo madisoniano foi desenhado para que maiorias diferentes produzam freios e contrapesos. O bicameralismo, as eleições de meio de mandatos/descasamento entre eleições legislativas e presidenciais, a vedação de reeleição presidencial, entre outros, são mecanismos para conter o presidente. Curiosamente, o presidencialismo latino-americano aboliu-os paulatinamente e tem se afastado do modelo madisoniano.
O alinhamento de casas legislativas ao Executivo eleva a probabilidade de reformas urgentes, mas produz um déficit de accountability num momento crítico. (Folha de S. Paulo – 08/02/2021)
Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)