O Brasil não é a pátria das armas. Somos, rigorosamente, uma nação do bem, que valoriza a paz e a tolerância entre as pessoas, as etnias, as religiões, e de convicções.
A arma não penetrou no imaginário popular como instrumento inerente à defesa da democracia, como ocorreu na história dos Estados Unidos. Nunca experimentamos uma guerra civil total, e os confrontos internos como a Revolução Paulista de 32 e a própria Farroupilha, no Sul, ambos com forte conteúdo regional, se assentaram e não rasgaram a unidade nacional.
Diferentemente de muitos outros países, temos fronteiras pacificadas, reconhecidas e frias. No país não existem movimentos secessionistas e nenhum grupo ideológico, à esquerda ou à direita, atua aberta ou clandestinamente para tomar o poder à força e reorientar a nossa história.
Somos um país de amplas liberdades religiosas, com as igrejas cristãs e dos mais variados credos convivendo em respeito mútuo, afirmando a sua fé e sem sofrer a violência do Estado. Nossa nação é reconhecida e festejada por receber o estrangeiro de braços abertos e de maneira integradora.
Por tudo isso, Darcy Ribeiro, que orgulhou o Senado como um dos seus membros mais iluminados, chegou a afirmar que o Brasil era país com força moral para projetar uma nova civilização.
Então, com todo esse patrimônio enorme e rico voltado à paz, de onde vem essa onda, liderada pelo presidente Bolsonaro, de querer meter armas nas mãos e nos coldres dos brasileiros?
Resposta difícil, mas podemos arriscar algumas delas.
Primeira, de caráter ideológico. Copia-se toscamente o ideal americano de defesa da democracia erigido no século XIX. Inventa-se um inimigo — uma suposta esquerda de grande poder destruidor —, e afirma-se a necessidade de armar o povo conservador para se evitar uma derrocada final. E, carregando setores religiosos, deturpa-se o princípio maior de Jesus Cristo, que é o amor, colocando-se, inclusive, o cristianismo como justificativa, dessa forma utilizando uma verdadeira heresia.
Talvez uma segunda, combinada com a primeira. A arma como símbolo de uma virilidade que se perdeu no tempo e que precisa ser retomada. A arma se transforma em objeto de desejo.
Uma terceira, de achar que arma aumenta a segurança do cidadão, uma estultice, pois estudos no mundo apontam para o seu inverso.
Uma quarta explicação: um forte interesse da indústria de armas convencionais que vem perdendo de maneira rápida o seu protagonismo nas guerras em virtude do desenvolvimento tecnológico e, assim, procura mercados amplos pra inundar com as suas bugigangas de morte.
E aí cria-se uma narrativa falsa, vende-se o armamentismo com argumentos altruístas para que grupos de base ética corrompida possam ter altos lucros. E, certamente, com muita gente no Brasil interessada nesse projeto, até políticos, querendo ganhar dinheiro no nefasto jogo.
Armas, bem como jogatinas e cassinos, entre outras atividades, não são importantes para a nossa economia, posto que matam pessoas, destroem famílias, corrompem instituições e processos, esgarçam a sociedade. É contra o amor cristão.
Apresentei no Senado quatro proposições para tornar sem efeito os decretos de Bolsonaro que permitem uma derrama de armas no país. E também um projeto proibindo que pessoas físicas ligadas ao mundo da arma de contribuir para campanhas eleitorais. Ainda estamos propondo a criação de uma frente parlamentar pelo desarmamento, no Congresso Nacional.
Os brasileiros não podem permitir que este governo choque o ovo da serpente. Ter amor à pátria é apostar na paz e na concórdia.
Eliziane Gama, senadora (Cidadania-MA) e líder do Bloco Senado Independente (Cidadania, PDT, Rede e PSB)