Marcus André Melo: O Governo dos Juízes e o Governo dos Generais

Suprema Ironia: o leviatã judicial protege a democracia mas assusta os cidadãos

Em nossa história republicana era comum referir-se ao STF como “esse desconhecido”; conhecidos eram apenas os generais, ou até os tenentes. Paulatinamente as coisas se inverteram: conhecemos os ministros da corte, mas recentemente passamos a nomear quem é quem nas Forças Armadas.

Jacques Lambert, no clássico “Os Dois Brasis” (1957) argumenta que generais e juízes cumprem funções de arbitragem política; os magistrados nas democracias, os militares nos regimes autoritários. Ele referia-se às intervenções militares até 1955; não previu um regime militar.

No livro faz instigante comparação com os EUA, cuja história constitucional havia analisado, antes de aportar no Brasil em 1939, em um compêndio em três volumes. Em uma seção de “Os Dois Brasis” intitulada “O Governo dos Juízes e o Governo dos Generais”, argumentava que a arbitragem judicial nas democracias pode ser conflituosa e partidarizada, mas é estável. E vir junto com certo ativismo:

“Em nome da legalidade constitucional e mesmo da superlegalidade, um governo de juízes nos EUA interditara ao legislador intervenções que lhe pareciam injustas e às vezes mesmo suprira a inação do legislador. Na questão da segregação escolar nem ao menos se deram ao trabalho de baseá-la em justificativas de ordem jurídica ou constitucional.”

Mas Lambert acrescenta que o governo dos juízes tem a vantagem de que os que o exercem não dispõem de força. Ele pode ser “meio durável de governo, porque no interior dos tribunais imiscuídos na política, a lei da maioria permite suprimir os conflitos”. Mesmo quando fazem intervenções específicas “os juízes tiveram que tomar partido em todas as grandes questões que dividiam a opinião, tendo a corte admitido uma direita e uma esquerda”.

A diversidade de opinião não oferecia grandes perigos: “se surgiam conflitos entre o juiz McReynolds e o juiz Cardozo, eles não se manifestavam senão pela forma de argumentos jurídico-sociológicos entre os adversários”.

Mas, quando os generais intervêm a fim de exercer arbitragem política, “dificilmente se pode evitar que as lutas de partido e as lutas ideológicas se transponham para o exército”. E pior: seu monopólio sobre os meios de violência leva à escalada do conflito.

Nas democracias a Suprema Corte detém o monopólio da arbitragem política. No Brasil de Lambert, ela cumpria um papel subalterno; hoje é marcada pelo hiperprotagonismo. Sofre brutal sobrecarga; ao contrário da americana é corte criminal em um quadro em que a impunidade começa a ser rompida e o rol de réus é vasto. E enfrenta cotidianamente um executivo autoritário. Sim, o leviatã judicial protege a democracia mas assusta os cidadãos. (Folha de S. Paulo – 22/02/2021)

Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)

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