Winston Churchill, em discurso no parlamento britânico em 1947, proferiu o seguinte pensamento sobre a democracia: “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos.” Essa frase é frequentemente empregada para justificar o regime de governo democrático em relação aos outros sistemas.
Não há apenas um tipo de democracia. Ao contrário, há diversas formas, que variam nos graus de representatividade, liberdade e possibilidade de alternância de poder.
O pensador francês Alexis de Tocqueville, influente no pensamento liberal americano, argumentou em meados do século XIX que a liberdade individual e a igualdade de condições na política são princípios fundamentais em uma democracia. A liberdade individual deve ser regulada por meio de leis, que restringem o comportamento dos indivíduos e as interações sociais. Mas há certos princípios fundamentais que devem existir, como, por exemplo, a liberdade de expressão.
Após décadas da célebre frase do Churchill, o descontentamento com a democracia vem aumentando e atingiu nível recorde em vários países recentemente. Um relatório lançado em outubro passado pelo Centro para o Futuro da Democracia da Universidade de Cambridge, com dados de quase 50 anos e cobrindo 154 países, mostra que nos anos 90 cerca de 67% da população dos países desenvolvidos estavam satisfeitas com a democracia. Atualmente, mais de 50% dos indivíduos nesses países se dizem insatisfeitos com a democracia e a descrença é ainda maior nos Estados Unidos e no Reino Unido, bem como entre os mais jovens.
A satisfação com a democracia é ainda menor na América Latina. No Brasil, menos de 20% da população se diz satisfeita com a democracia. O aumento dessa insatisfação em nosso país, não por acaso, coincidiu com os escândalos de corrupção da Lava Jato, que explicitaram, mesmo que de forma incompleta, nosso capitalismo corroído por esquemas entre os políticos e os altos negócios.
Como consequência da crescente insatisfação com a democracia, surge a ascensão do populismo em diversos países do mundo, incluindo os países desenvolvidos ocidentais.
O populismo parecia antes ser um fenômeno específico da América Latina e mais ligado à forma do governo gerir as políticas macroeconômicas. Os economistas Dornbusch e Edwards (1991) definiram o populismo como uma abordagem de política macroeconômica que priorizava o crescimento e a distribuição de renda de curto prazo, sem se preocupar com o déficit público, a inflação no longo prazo e as possíveis ineficiências geradas por políticas setoriais e de proteção comercial, sem exigir contrapartida de investimentos e maior participação nas exportações.
O populismo atual é diferente. Os economistas Sergei Guriev (Sciences Po, Paris) e Elias Papaioannou (London Business School) publicaram recentemente um trabalho no Journal of Economic Literature, que define o populismo vigente e mostra que o mesmo não é uma ideologia de direita ou de esquerda, mas divide a sociedade em dois grupos opostos: o “povo” indefeso e a “elite” corrupta. A discussão polarizada restringe o pluralismo, já que há apenas aqueles que são contra ou a favor do povo.
O anti-elitismo implica que o governo populista pode passar por cima e controlar os “checks e balances” (por exemplo, Congresso e mídia) de um país, já que esses são dirigidos pela elite, enquanto o populista defende os interesses da maioria. O populista tem discurso forte contra a imprensa, com linguagem agressiva e direta, através dos modernos meios de comunicação, que são mais fáceis para a disseminação de informações falsas.
Há também ataque aos especialistas, como os cientistas, que fazem parte da elite ou são lobistas da mesma. Essa seria uma das razões pelas quais vários populistas alegam que a teoria antropocêntrica da mudança climática é uma conspiração internacional. Donald Trump já escreveu em seu Twitter que a teoria do aquecimento global foi criada a favor da China, para que a indústria americana perdesse competitividade.
Jair Bolsonaro já acusou as ONGs ambientalistas de serem os principais responsáveis pelo fogo na Amazônia, já que as mesmas defendem os interesses dos países desenvolvidos, que são contrários ao progresso da Amazônia. Ele também já afirmou que a melhor vacina contra covid-19 é contrair a doença e que as verdadeiras vacinas podem ter sérios efeitos colaterais, mesmo com evidências fraquíssimas sobre a questão e sabendo que esse vírus já levou ao óbito quase 200 mil pessoas no Brasil e quase 2 milhões no mundo.
Mesmo sem base científica, alguns populistas são opositores aos programas governamentais de vacinação. O Movimento 5 Estrelas na Itália fez campanha em 2015 associando a vacinação de sarampo e rubéola com algumas doenças como autismo e câncer. Após dois anos dessa campanha, observou-se um aumento significativo do sarampo e da rubéola, especialmente em lugares onde há mais seguidores desse partido populista.
Em 2000, o presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, negou a relação entre o HIV e a Aids e afirmou que o uso dos antirretrovirais no combate ao HIV defendia apenas os interesses dos laboratórios farmacêuticos. Seu ministro da saúde defendia o uso de alho e suco de limão após o intercurso sexual para evitar o contágio do HIV. Há estudos associando o aumento de casos de HIV e de mortes na África do Sul por conta do negacionismo do governo de Mbeki.
O populismo tem efeito adverso na economia. Ver trabalho do Funke, Schularick e Trebesch (2020), que mostra o efeito negativo do populismo no PIB per capita. Estudos também revelam (Amiti, Redding e Weinstein, 2019) que a Guerra comercial liderada por Trump com a China levou ao aumento de preços de vários produtos e perdas de emprego nos Estados Unidos.
Alguns populistas atacam as instituições democráticas abertamente. Outros prometem aprofundar a democracia liberal, corrigindo suas fraquezas e reforçando a representatividade do povo. Em geral, os populistas acabam vendo as instituições existentes como um obstáculo à realização de seus objetivos, levando muitas vezes ao autoritarismo e representando grave ameaça ao respeito às diferenças e aos direitos humanos. A vigilância contra essa ameaça tem que ser permanente. (Valor Econômico – 06/01/2021)
Tiago Cavalcanti é professor de economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP