Míriam Leitão: O projeto que foi sem nunca ter sido

O presidente Bolsonaro apoiou o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para a presidência do Senado e esse foi o detonador da saída de Wilson Ferreira da Eletrobras. Pacheco é velho adversário do processo pelo qual o governo venderia o controle da estatal de energia. Numa de suas entrevistas, ele avisou que a aprovação do projeto de lei que permitirá a privatização não é prioridade. Ferreira fez os cálculos e concluiu que, se não vender este ano, não venderá em ano eleitoral e resolveu sair. É isso que se conta nos bastidores da empresa.

Oficialmente, Wilson Ferreira falou de forma mais vaga. Citou “candidatos” à presidência do Congresso. Pacheco já fez parte de frentes antiprivatização do setor elétrico.

O anúncio da renúncia de Wilson Ferreira foi visto como algo maior no mercado. “É o fim do projeto liberal”, me disse ontem cedo um economista de banco. Isso se refletiu em Nova York. A ADR da Eletrobras, que já havia caído 5% na sexta-feira, abriu em queda de 5%, aprofundou para 10% e terminou o dia com desvalorização de quase 12%.

É um espanto que ainda se acredite que Bolsonaro seguirá algum projeto liberal. Neste espaço escrevi sobre meu ceticismo antes de o governo tomar posse. Um intervencionista não privatiza. E pode ser ainda pior, no caso da Eletrobras. Na companhia se acredita que o sucessor será escolhido entre executivos que estão lá e que são de carreira, ou entre os selecionados por um head hunter que será contratado pelo conselho de administração. O problema é que o cargo pode ser colocado no balcão, onde Bolsonaro tem posto muitas mercadorias. Para evitar, por exemplo, que surja algo como o impeachment do qual se fala no país.

O projeto da Eletrobras vem do governo Temer. A empresa estava em situação dramática. Na conversa com investidores e jornalistas, Ferreira contou que entrou na companhia em julho de 2016, no início do governo Michel Temer, e o quadro era assustador: o nível de alavancagem da Eletrobras era de quase nove vezes a sua geração anual de caixa. Um patamar altíssimo e que só não levou a empresa ao colapso porque ela era controlada pela União. Depois de cinco anos de reestruturação, o endividamento caiu para 2,5 vezes e a Eletrobras terminou 2019 com um lucro de quase R$ 11 bilhões, o segundo maior de sua história. Ele admitiu que não acredita mais que a empresa seja vendida no governo Bolsonaro.

O projeto arquitetado no governo Temer era de transformar a companhia numa corporação, como as grandes empresas elétricas. A EDP, Energia de Portugal, era estatal, foi sendo vendida aos poucos e agora o governo tem apenas uma golden share. A Enel, que é dona da Eletropaulo, tem 23% na mão do governo italiano, mas o resto está em mercado. A Engie, dona de Jirau, tem ações dos governos francês e belga.

A ideia era fazer uma chamada de capital, o governo não acompanharia, e sua participação cairia de 63% para 49%. Ele perderia o controle, mas continuaria sendo o maior acionista. O caminho da preparação foi longo. Primeiro foi preciso no governo Temer vender sete distribuidoras estaduais que haviam sido federalizadas. Foi preciso preparar um projeto de lei, e depois refazê-lo no governo Bolsonaro, com alguns aperfeiçoamentos. A Eletrobras pagaria R$ 15 bilhões pela outorga ao governo, depositaria R$ 3,5 bi num fundo para revitalizar o São Francisco e ainda faria depósitos na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), para atenuar os reajustes da tarifa de energia.

A mudança feita pelo governo Dilma no setor elétrico provocou um aumento grande no preço da energia. Para se ter ideia, de 2013 a 2019, o IPCA subiu 37%, o preço da energia foi de 111%, três vezes mais.

Depois, eventualmente, se o governo quisesse vender mais ações poderia inclusive ganhar com a valorização da empresa. Mas o fato é que nada andou. No Congresso, o projeto de lei não teve nem relator. Por outro lado, no governo todo dia Bolsonaro dá mais um sinal de populismo econômico. Ameaçou demitir o presidente do Banco do Brasil porque ele queria fechar agências, na quinta-feira reduziu a tarifa de importação de pneus a pedido dos caminhoneiros, os preços do óleo diesel e do GLP acumulam defasagem.

Enfim, o projeto liberal no governo Bolsonaro é como a viúva Porcina. Foi, sem nunca ter sido. Mas isso estava na cara. Acreditou quem quis. (Com Alvaro Gribel, de São Paulo/O Globo – 26/01/2021)

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