NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, evita cravar uma data de início para a vacinação contra a covid-19 no país. Disse ontem, em Manaus, que a imunização vai começar “no dia D e hora H”. Parece piada pronta: o começo da vacinação está sendo tratado como um segredo militar. O mais provável, porém, é que o Ministério da Saúde não saiba mesmo quando terá vacinas, seringas e agulhas disponíveis. Desculpem-me o trocadilho, o Dia D é um agá.
Na História, o chamado Dia D foi um segredo guardado a sete chaves pelos Aliados na Segunda Guerra Mundial. No dia 6 de junho de 1944, a Operação Overlord iniciou o desembarque das tropas aliadas na Normandia, no norte da França. A Alemanha passava por um momento delicado na guerra. A força do exército alemão havia sido contida pelos soviéticos a partir de 1942. Os desgastes que o fronte na União Soviética geraram foram muito altos, principalmente em Stalingrado e Kursk, e a Alemanha carecia de recursos para manter a guerra no nível necessário.
Os objetivos dos Aliados, ao planejar a invasão da Normandia, foram: (1) libertar a França do controle nazista, ao qual estava submetida desde 1940 e, ao criar uma nova frente de batalha (a oeste), (2) aumentar a pressão sobre a Alemanha, atacada ao leste pela União Soviética e ao sul (na Itália) por americanos e britânicos. A Operação Overlord foi vista com desconfiança pelos britânicos, ainda traumatizados pela dramática retirada de Dunquerque, no começo da invasão da França, quando foram encurralados na praia pelos alemães. Temiam um fracasso, ainda mais em razão das ofensivas desastradas no Mar Mediterrâneo e na costa italiana, onde faltou apoio aéreo.
A operação, porém, foi um sucesso; as batalhas mais duras ocorreram depois do desembarque, principalmente em Ardenas, quando os alemães tentaram uma contraofensiva ao se retirar da França. A Alemanha nazista sabia que um ataque Aliado contra a Normandia aconteceria, mas não quando e onde exatamente isso seria feito. As vãs esperanças de Hitler estavam depositadas na famosa Muralha do Atlântico, linha defensiva criada pelos alemães nos territórios ocupados na costa francesa. As operações do Dia D contaram com 5.300 navios, que realizaram o transporte de cerca de 150 mil homens e de 1.500 tanques, com apoio de 12 mil aeronaves, em cinco praias francesas, cuja conquista permitiu que os Aliados conseguissem posicionar mais 300 mil soldados na Normandia até o final do dia 7 de junho, com perda de apenas três mil soldados mortos.
Guerra da vacina
O custo da guerra da vacina entre o Ministério da Saúde e o governo de São Paulo no Brasil está sendo muito maior. A média móvel da última semana foi de 1.016 mortes por dia por covid-19, chegando à marca de 203.140 mortos, ontem, de um total 8,104 milhões de contaminados. Historicamente, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem condições de vacinar 10 milhões de pessoas por dia, mas passa por um de seus piores momentos. “No primeiro dia que chegar a vacina, ou que a autorização for feita, a partir do terceiro ou quarto dia, já estará nos estados e municípios para começar a vacinação no Brasil”, garante o general Pazuello.
Pela primeira vez, o objetivo não será a imunidade completa, mas frear a contaminação, com a aplicação de, pelo menos, uma dose do imunizante do laboratório Astrazeneca em parceria com a Universidade de Oxford, importado às pressas da Índia (2 milhões de doses), enquanto a Anvisa faz novas exigências para liberação das vacinas produzidas pelo Instituto Butantan (CoronaVac) e pela própria Fiocruz (Oxford).
Para iniciar a campanha antes de São Paulo, que pretende imunizar a partir do dia 25 de janeiro, data de aniversário de fundação da capital paulista, Pazuello quer reinventar a roda, a pedido do presidente Jair Bolsonaro: “Com duas doses você vai a 90 e tantos por cento (de imunização); com uma dose, vai a 71%. Com 71%, talvez a gente entre para imunização em massa, é uma estratégia que a Secretaria de Vigilância em Saúde vai fazer para reduzir a pandemia. Talvez, o foco seja não na imunidade completa, mas, sim, a redução da contaminação e, aí, a pandemia diminui muito. Podendo aplicar a segunda dose na sequência, chegando a 90%”, disse. Trocando em miúdos, é tudo para inglês ver; pois, por enquanto, faltam vacinas para atender até mesmo os grupos de risco.
Pazulello, porém, garante que o Ministério da Saúde nunca deixou de trabalhar tecnicamente com o Butantan para comprar a vacina, “quando estiver registrada e garantida a segurança e eficácia pela Anvisa ou autorização de uso emergencial (…). Onde está a dificuldade? Não há registro na China nem autorização de uso emergencial ainda. E a Anvisa tem tido dificuldades de receber toda essa documentação pronta. Nós estamos trabalhando com o Butantan direto para que ele forneça essa documentação”, justifica Pazuello. O Butantan, em parceria com um laboratório chinês Sinovac, já produziu 2,8 milhões de doses, além de 6 milhões que importou diretamente da própria China e que serão destinadas ao Ministério da Saúde. (Correio Braziliense – 12/01/2021)