Parte expressiva dos cidadãos brasileiros segue encantada pelo flautista do Vale do Ribeira e vai marchando mesmerizada, prestes a se afogar no rio.
Segundo pesquisa Datafolha, 52% dos brasileiros não veem nenhuma responsabilidade do presidente nas mortes causadas pela Covid-19. As evidências contrárias, porém, são eloquentes.
Bolsonaro não elaborou com antecedência um plano nacional de vacinação e não estabeleceu protocolos para o distanciamento social, gerando descoordenação entre as iniciativas de estados e municípios. Durante todo o período da pandemia, minimizou a mortalidade da Covid, condenou o fechamento do comércio e difundiu a descrença em vacinas.
Os efeitos dessa postura negacionista foram medidos em vários estudos.
Um deles, realizado por pesquisadores da FGV e da Universidade de Cambridge, com dados da empresa In Loco, descobriu uma redução do distanciamento social em municípios com alta votação em Bolsonaro depois que ele discursou contra políticas de isolamento.
Outro estudo, feito na USP com dados do Google, mostrou que estados com alta votação em Bolsonaro relaxaram mais rapidamente a quarentena e que municípios médios e grandes de São Paulo que mais votaram em Bolsonaro cumpriram menos o distanciamento social.
Por fim, estudo de pesquisadores da UFRJ identificou maiores taxas de contaminação e de mortalidade pela Covid nos municípios nos quais Bolsonaro obteve maior votação.
A pesquisa do Datafolha divulgada no último fim de semana mostra novas correlações entre o bolsonarismo e atitudes com relação à Covid.
Simplesmente não pretendem se vacinar contra o vírus 22% dos brasileiros e 33% daqueles que sempre confiam no presidente. Os números são ainda mais chocantes quando o Datafolha pergunta especificamente sobre a vacina desenvolvida pela chinesa Sinovac –cuja confiabilidade tem sido minada pelo presidente e é alvo de intensa campanha negativa no WhatsApp.
Não pretendem tomar a Coronavac – a vacina com mais chances de ser primeiramente aprovada e distribuída – 50% dos brasileiros e 67% daqueles que sempre confiam no presidente. Essa disposição em não vacinar é grande o suficiente para impedir que o país alcance a imunidade de rebanho.
Bolsonaro tem responsabilidade pelo aumento do descumprimento do distanciamento social, pelo aumento das contaminações e das mortes e, ao que tudo indica, terá também responsabilidade pela cobertura vacinal reduzida. Pode ser que ainda não seja politicamente viável, mas já não é mais motivo para impeachment, é motivo para cadeia. (Folha de S. Paulo – 15/12/2020)
Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.