A oferta e a demanda por populistas mudou
Há duas explicações rivais sobre a nova onda do populismo.
A primeira focaliza as transformações econômicas e sociais que a engendraram e materializaram-se em novas demandas. Elas privilegiam o papel de grupos como os “perdedores da globalização” ou os afetados pela imigração na Europa e nos EUA.
O argumento considera também como as identidades e perda de status dos grupos são afetados no processo. A imigração aparece como a grande ameaça, mas muitas mudanças são endógenas, como no caso da questão racial nos EUA.
Nas explicações centradas na oferta a ênfase é institucional: o populismo expressaria uma falha institucional no sistema de representação. O argumento é que o sistema partidário tem sido incapaz de responder às novas demandas. A convergência programática entre partidos tem levado ao declínio da identidade e filiação partidárias e queda no comparecimento às urnas. Na União Europeia, o foco é posto no déficit democrático na estrutura de governança multinível, tecnocrática e centralizada em Bruxelas.
Como pensar a ascensão de Bolsonaro à luz desse arcabouço? Na realidade, a imigração não tem equivalente funcional nem a globalização produziu perdedores claros entre nós. Pelo contrário, gerou ganhadores que se depararam, no entanto, com uma brutal reversão de expectativas. Tivemos dois choques: o fim do boom de commodities e dois mega escândalos de corrupção. A combinação dos dois foi uma tempestade perfeita.
A euforia fiscal produziu brutal reversão de expectativas. É exemplo clássico de “maldição de recursos naturais” (o pré-sal veio à luz em pleno boom). O teatro de operações foi o Rio de Janeiro, anabolizado por Copa/Olimpíada, e sede da Petrobras. Assim, pelo lado da demanda, a procura por líderes capazes de não só impor ordem no caos e na corrupção avassaladora explodiu. A isso somava-se um deslocamento ideológico à direita na opinião pública contrapondo-se à vaga identitária e demandas por resposta à crise da segurança pública.
Pelo lado da oferta, o sistema partidário, hiperfragmentado, mas vertebrado por dois campos rivais, entrou em colapso. A visão do sistema representativo como farsa acentua-se: um jogo de atores corruptos e em descompasso com o interesse público. A hiperfragmentação baixou o sarrafo para entrada no jogo majoritário, abrindo a janela para outsiders.
Dois choques alteraram o status quo anterior: o próprio governo Bolsonaro e a pandemia. Ambos criaram uma nova demanda por bom desempenho desvalorizando apelos retóricos hiperbólicos que, todavia, não substitui as demandas por governo limpo e a onda de preferências conservadoras. Pelo lado da oferta o problema continua. (Folha de S. Paulo – 28/12/2020)
Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).