Luiz Carlos Azedo: Poderia ser pior?

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Não gosto de análises catastróficas nem do quanto pior, melhor. Prefiro a teoria das duas hipóteses do humorista Aparíccio Apporelly, o Barão de Itararé, descrita por Graciliano Ramos em Memórias do Cárcere. O escritor alagoano deliciava-se com as anedotas e os comentários espirituosos do jornalista gaúcho, encarcerado durante a ditadura de Getúlio Vargas. Com sua voz pastosa e hesitante, dono de um “otimismo panglossiano”, o Barão sustentava que tudo ia bem e poderia melhorar, fundado numa demonstração de que diante de cada situação haveria sempre uma pior: “Excluía-se uma, desdobrava-se a segunda em outras duas; uma se eliminava, a outra se bipartia, e assim por diante, numa cadeia comprida”, explicava Graciliano. Com a palavra, o próprio Apporelly quando estava preso:

“Que nos poderia acontecer? Seríamos postos em liberdade ou continuaríamos presos. Se nos soltassem, bem: era o que desejávamos. Se ficássemos na prisão, deixar-nos-iam sem processo ou com processo. Se não nos processassem, bem: à falta de provas, cedo ou tarde nos mandariam embora. Se nos processassem, seríamos julgados, absolvidos ou condenados. Se nos absolvessem, bem: nada melhor, esperávamos. Se nos condenassem, dar-nos-iam pena leve ou pena grande. Se se contentassem com a pena leve, muito bem: descansaríamos algum tempo sustentados pelo governo, depois iríamos para a rua. Se nos arrumassem pena dura, seríamos anistiados, ou não seríamos. Se fôssemos anistiados, excelente: era como se não houvesse condenação. Se não nos anistiassem, cumpriríamos a sentença ou morreríamos. Se cumpríssemos a sentença, magnífico: voltaríamos para casa. Se morrêssemos, iríamos para o céu ou para o inferno. Se fôssemos para o céu, ótimo: era a suprema aspiração de cada um. E se fôssemos para o inferno? A cadeia findava aí. Realmente. Realmente ignorávamos o que nos sucederia se fôssemos para o inferno. Mas, ainda assim, não convinha alarmar-nos, pois essa desgraça poderia chegar a qualquer pessoa, na Casa de Detenção ou fora dela”.

O raciocínio irônico do Barão de Itararé é altamente filosófico e serve para qualquer situação. Por exemplo, para a turma enrolada na Lava-Jato, que agora assiste, de tornozeleira eletrônica ou no xadrez, o ex-juiz Sergio Moro ser contratado como especialista em combate à corrupção por um grande escritório de consultoria que presta serviços à Odebrecht. Como se sabe, Emilio Odebrecht, para salvar a empresa e aliviar a cana de seu filho, Marcelo Odebrecht, negociou uma delação premiada com o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que quase implodiu o sistema político brasileiro. Alguns imaginam que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff pavimentou o caminho para a eleição de Jair Bolsonaro; não, essa estrada foi asfaltada pelo escândalo da Petrobras e o uso generalizado de caixa dois nas campanhas eleitorais.

Pandemia

Mas, voltemos à teoria das duas hipóteses. O ano da pandemia do novo coronavírus está acabando, porém a covid-19 recrudesceu. Há uma corrida mundial para conter a segunda onda na Europa e nos Estados Unidos, que é repetição do que ocorreu com a gripe espanhola, 100 anos atrás. Agora, além do isolamento social, estarão sendo utilizadas vacinas em caráter emergencial. No Brasil, em razão do negacionismo do presidente Jair Bolsonaro e da mentalidade castrense do ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, estamos numa guerra entre o governo federal, que comprou a vacina de Oxford, inglesa, que será produzida pela Fundação Oswaldo Cruz, e o governo de São Paulo, que adquiriu a vacina chinesa CoronaVac, cuja fabricação será iniciada pelo Instituto Butantan. Há, também, uma vacina russa, a Sputnick V, adquirida pelo governo do Paraná.

Entretanto, não temos um plano efetivo de vacinação em massa por parte do Ministério da Saúde, cujo titular é um general de divisão da ativa, especialista em logística, que será o grande responsável pelo atraso da campanha de vacinação. No momento, sua grande preocupação é negar a existência de uma segunda onda da pandemia, sabotar as medidas de isolamento social e atrasar a liberação da vacina chinesa. Vidas não importam, afinal, não existe guerra sem defuntos. E onde aplica-se a teoria das duas hipóteses? Ao comparar o número de mortos com os que sobreviveram à covid-19.

Nas últimas 24 horas, houve 776 mortes, somando 175.307 óbitos desde o começo da pandemia. A média móvel de mortes no Brasil, nos últimos sete dias, foi de 544. Desde o começo da pandemia, 6.487.516 brasileiros já tiveram ou têm o novo coronavírus, com 50.883 desses casos confirmados nas últimas 24 horas. Em média, nos últimos sete dias, houve 40.421 novos diagnósticos por dia, a maior desde agosto, que registrou 40.526 mortes. O aumento no número de casos foi de 37%. A pandemia recrudesceu nos seguintes estados: PR, RS, SC, ES, MS, AC, AP, RO, CE, PB, PE, RN e SE. (Correio Braziliense – 04/12/2020)

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