Teto salarial tem mais buracos do que queijo suíço
A boa notícia foi trazida pela repórter Geralda Doca: a ekipekonômika quer criar recursos para financiar o programa de amparo social impondo um teto salarial para os servidores públicos: R$ 39,2 mil mensais e nem um tostão acima disso. A medida resultaria numa economia de pelo menos R$ 10 bilhões anuais para a bolsa da Viúva. Se essa ideia for em frente, Jair Bolsonaro poderá custear uma parte de seu projeto. Hoje o programa Bolsa Família protege 13,5 milhões de famílias e custa R$ 29,5 bilhões anuais.
O governo é obrigado a respeitar um teto de gastos. No entanto há um teto salarial para os servidores, e ele tem mais buracos do que queijo suíço. Entre setembro de 2017 e abril deste ano, 8.226 magistrados receberam pelo menos um contracheque com valor superior a R$ 100 mil. Em 565 ocasiões, 507 afortunados faturaram mais de R$ 200 mil. Há universidades onde professores sacam salários de R$ 60 mil. Dois ministros de Bolsonaro conseguiram mais de R$ 50 mil mensais.
Ninguém faz coisa ilegal. O reforço tem nomes bonitos: auxílio-moradia, tempo de serviço ou participação num conselho. A ideia do teto salarial está há tempo no Congresso, mas não anda.
O andar de cima de Pindorama tem suas astúcias. O teto real seria ilegal, porque fere direitos adquiridos. É o jogo trapaceado. Os direitos do andar de cima são adquiridos, os do andar de baixo são flexíveis.
Em 1851, Joaquim Breves, dono de grande escravaria e contrabandista de negros, dizia que a repressão ao tráfico ameaçava “a vida e fortuna de numerosos cidadãos, assim como a paz e a tranquilidade do Império”. Para felicidade geral da nação, a 13 de maio de 1888 atentou-se contra a propriedade privada, e aboliu-se a escravidão.
O andar de cima é esperto. Em 1831 o Brasil assinou um tratado com a Inglaterra pelo qual todos os escravizados que chegassem a Pindorama seriam negros livres. Depois do tratado, entraram perto de 800 mil negros escravizados, e até 1850 só oito mil foram resgatados. Desde 1818, a lei determinava que eles prestassem serviços à Coroa por 14 anos. Em 1835 criou-se um sistema de concessão, ancestral das Parcerias Público-Privadas. O magano ia à Coroa, pedia um negro e pagava uma anuidade equivalente ao que o escravizado lhe trazia trabalhando por um mês. Enquanto a PPP durou, foi um negócio da China. Os dois maiores políticos do Império, o Marquês do Paraná e o Duque de Caxias, conseguiram 21 e 22 cada um. Os dois principais jornalistas da época, Firmino Rodrigues Silva e Justiniano José da Rocha, também foram concessionários. A eles se juntaram barões, marqueses, juízes, médicos (inclusive o presidente da Academia Imperial) e parentes da governanta de D. Pedro II. Um desembargador ganhou 14 negros.
Se um fazendeiro do Vale do Paraíba comprasse um escravizado trazido por contrabandistas, comprava um risco. Se um “africano livre” da turma da PPP morresse, bastava pedir outro. Assim cevou-se a elite da Corte. Nela, poucos personagens de Machado de Assis trabalham.
Serviço:
Todas as informações referentes aos escravizados estão no magnífico livro “Africanos livres”, da professora Beatriz Gallotti Mamigonian, e em sua tese de doutorado “To be a Liberated African in Brazil”, que está na rede. (Folha de S. Paulo – 07/10/2020)