NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE
Qualquer que seja a narrativa do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia-Geral da ONU, hoje, em Nova York, a política externa brasileira será sempre um prolongamento da nossa política interna. Por isso mesmo, pode ser que a sua narrativa caia completamente no vazio, se insistir na retórica de que somos o país que melhor cuida do meio ambiente no mundo, ou provocar mais ojeriza internacional ao governo atual, caso adote o discurso do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República.
Ontem, em audiência pública no Supremo Tribunal Federal(STF) sobre a aplicação dos recursos do Fundo do Clima, paralisado desde 2019, Augusto Heleno fez um discurso alarmista: “Não podemos admitir e incentivar que nações, entidades e personalidades estrangeiras, sem passado que lhes dê autoridade moral para nos criticar, tenham sucesso no seu objetivo principal, obviamente oculto, mas evidente para os não inocentes, que é prejudicar o Brasil e derrubar o governo Bolsonaro”, disse.
Bolsonaro falará por videoconferência, numa oportunidade privilegiada, que existe desde 1947, sem que nenhuma norma escrita nos estatutos da ONU, criada em 1945, no imediato pós-guerra, assim determine. Há três versões para que isso ocorra: a primeira é de que resultou de o Brasil se inscrever primeiro nas sessões de 1949, 1950 e 1951; a segunda, de que teria sido o reconhecimento pelo papel do chanceler Oswaldo Aranha, que presidiu a Assembleia Geral Especial que criou o Estado de Israel, em 1947; a terceira, de que seria um prêmio de consolação, por termos ficado de fora do Conselho de Segurança da ONU.
Somente nos anos de 1984 e 1985 a regra foi quebrada, pelo presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan. O general João Batista Figueiredo, durante o regime militar, foi o primeiro presidente brasileiro a falar na ONU, em 1982, para anunciar a abertura política que resultou na perda do poder pelos militares; até então, a tarefa cabia ao chanceler. A presidente Dilma Rousseff, em 2011, foi a primeira mulher a abrir a Assembleia-Geral.
Amazônia
A Amazônia deverá ser um dos temas da fala de Bolsonaro. Esse discurso de defesa da Amazônia pode ser bom para coesionar sua base ideológica e mobilizar o espírito patriótico militares brasileiros, porque o nacionalismo sempre sensibiliza esses segmentos; porém, para a imagem do Brasil no mundo e, principalmente, a captação de investimentos, será um fiasco. A retórica chauvinista em relação à Amazônia sensibiliza a opinião pública mundial com sinal trocado: a ideia-força é de que a região é o pulmão do mundo, e de que a humanidade corre perigo por causa do aquecimento global.
Negacionista ao extremo, Bolsonaro é visto no mundo como um governante exótico, que se equipara aos governantes mais reacionários e folclóricos do planeta. Desde que assumiu o poder, por causa de sua política ambiental, é alvo permanente de críticas de artistas, intelectuais, personalidades, empresários e governos engajados na causa ambientalista. Surpreenderia a todos se fizesse uma autocrítica, demitisse o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e resgatasse o prestígio dos órgãos de pesquisa, controle e fiscalização ambiental. Mas essa não é a sua política.
Por causa das queimadas na Amazônia e no Pantanal, uma tragédia ecológica, as críticas dentro e fora do país se intensificaram. Foi fatal para a credibilidade do discurso do governo a declaração do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que aproveitaria a pandemia da covid-19 para “passar a boiada”, em plena reunião ministerial, cujo vídeo foi divulgado por ordem judicial. Desde então, a pressão de países europeus e grupos empresariais sobre o governo brasileiro tem aumentado. O pouco compromisso do governo brasileiro com o meio ambiente é um entrave à efetivação do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.
Nesse aspecto, o depoimento de Augusto Heleno no Supremo não ajudou. Quem se posicionou corretamente foi o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ): “O artigo 225 do texto constitucional não deixa espaço para dúvidas: todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Portanto, aqueles que ocupam mandatos ou cargos públicos não têm a opção de negligenciar essa obrigação, extensivamente detalhada na própria Constituição, imposta ao poder público e à sociedade. Ela se traduz em verbos como preservar, proteger, restaurar e educar.” (Correio Braziliense – 22/09/2020)