Armando Castelar Pinheiro: O PIB e a pandemia

As famílias acumularam uma grande poupança no primeiro semestre do ano e têm recursos para investir e consumir

Na terça-feira passada, o IBGE publicou os resultados das contas nacionais do segundo trimestre, mostrando uma brutal contração do PIB. O tamanho da queda em si – -9,7% frente ao trimestre anterior e -11,4% na comparação anual – foi cerca de 0,9 ponto percentual pior que o esperado pela maioria dos analistas, nos dois casos. A queda estimada no primeiro trimestre também foi revista para pior, de -1,5% para -2,5%. No todo, portanto, o PIB fechou o primeiro semestre 12% abaixo do registrado no final de 2019, controlando para a sazonalidade.

A pandemia da covid-19 apareceu estampada em vários dos resultados publicados. Por exemplo, a principal razão para a subestimação da queda do PIB foi um excesso de otimismo quanto ao desempenho do setor público. A maioria dos analistas projetava uma retração em torno de 1% nesse componente. O IBGE, porém, viu uma queda bem maior, de 8,6% na comparação interanual. E esta é de fato mais consistente com a ausência de aulas nas instituições públicas de ensino e com a diminuição do número de consultas, cirurgias eletivas e exames nas unidades públicas de saúde, ainda que esta tenha sido em parte compensada por todo esforço feito no corajoso combate à covid.

Outra surpresa se deu na contração maior que a esperada do setor de transporte: -20,8% na comparação interanual, quase o dobro do previsto. Obviamente, a contração da indústria de transformação (-20,0%) e do comércio (-14,1%) explicam parte dessa queda. Porém, o fato de as pessoas ficarem mais em casa também ajudou, em especial retraindo a demanda por transporte público e transporte aéreo.

O pior resultado, porém, se deu em outras atividades de serviços, com contração de -23,6%. Aqui estão, entre outros, educação e saúde privadas, alojamento e alimentação fora do domicílio, serviços domésticos e vários outros serviços que exigem graus variados de interação entre fornecedor e cliente.

Outro resultado diretamente ligado à pandemia foi o aumento da taxa de poupança doméstica, para 15,5% do PIB, contra 13,7% do PIB no segundo trimestre de 2019. Ora, como se sabe, o déficit primário do setor público consolidado nesse período subiu para 9,2% do PIB, contra 6,8% do PIB um ano antes. Supondo que o investimento público foi o mesmo como proporção do PIB, isso se traduz em uma queda da poupança pública de 2,4% do PIB. É dizer, a poupança privada no segundo trimestre deste ano foi cerca de 4,2% do PIB mais alta do que um ano antes.

Isso significa que a forte queda observada no consumo das famílias – -13,5% na comparação interanual – não resultou da falta de renda, mas de uma contenção voluntária das famílias nas suas decisões de consumo, provavelmente associadas ao distanciamento social, por receio de contrair a covid-19. Há evidência para o caso americano de que isso ocorre em especial nas famílias de renda mais alta. Para as de renda mais baixa, por outro lado, há alguma indicação de que o consumo caiu menos, graças inclusive à manutenção da renda por conta do Auxílio Emergencial e de outros programas públicos.

Frente ao padrão observado em outras recessões, a queda do investimento (-15,2%) até que foi relativamente modesta. Em geral, ela costuma ser o dobro ou mais da registrada para o PIB. Vale apontar a surpresa positiva para a retração da construção civil (-11,1%), que ficou bem aquém da prevista (em torno de -15%). Na minha avaliação, a construção imobiliária, em especial, pode continuar surpreendendo positivamente no resto do ano, graças ao financiamento relativamente barato, à falta de alternativas de investimento, à decisão de várias famílias de se mudarem para imóveis mais espaçosos e ser fácil construir imóveis respeitando as regras de segurança sanitária.

A queda maior que a esperada do PIB fará os analistas reverem para pior o resultado do ano. Tudo indica, porém, que o resultado para este terceiro trimestre será bastante bom: eu não descarto uma alta do PIB em torno de 6%. O comércio varejista e, em menor escala, a indústria de transformação e a construção civil têm mostrado uma recuperação relativamente vigorosa, mesmo que não apagando toda queda do bimestre março-abril.

Olhando mais à frente, porém, o grande desafio será como conciliar a necessidade de um significativo ajuste fiscal com a necessidade de manter a economia se recuperando em ritmo relativamente forte. Para alguns, seria necessário sacrificar o Teto de Gastos, manter o Auxílio Emergencial e aumentar o investimento público para que a economia não entre de novo em recessão.

Não é isso, porém, o que contam os resultados para o PIB. O que eles mostram é que a chave para a economia crescer é controlar a pandemia e estabelecer protocolos sanitários seguros para que os alunos voltem às escolas, os doentes a consultar os médicos e a fazer exames, e setores de transporte e hospedagem possam se recuperar. As famílias acumularam uma grande poupança no primeiro semestre do ano e têm recursos para investir e consumir. Só precisam de segurança sanitária para isso. (Valor Econômico – 04/09/2020)

Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ e escreve quinzenalmente neste espaço. Twitter: @Acastelar.

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