A redução da expressão fascismo a autoritarismo é pobre analiticamente
“Is Brazil a fascist state?” Este é o título do último capítulo de “Brazil Under Vargas” (1942), de Karl Loewenstein. A pergunta não poderia vir de alguém mais qualificado: o ex-pupilo de Max Weber havia publicado “Hitler’s Germany” (1939) e trabalhos pioneiros sobre movimentos autoritários na década de 30. O autor não falava apenas de cátedra: ele próprio fugira de Hitler para tornar-se acadêmico nos EUA e influenciou ativamente a elaboração da Constituição alemã de 1949.
Loewenstein concluiu que os rótulos comuns para o regime de Vargas não eram apropriados: “o regime não é nem democrático nem ‘democracia disciplinada’; nem totalitário nem fascista; é uma ditadura autoritária para o que os franceses cunharam um termo adequado: ‘régime personnel’, mas que exerce poderes teoricamente ilimitados com moderação dado o habitat liberal-democrático brasileiro”.
O Brasil não era totalitário, e a mobilização política oficial era cosmética: “não há a mística de Estado como na Alemanha nem nos primeiros anos do fascismo na Itália”. Mas importante é sua conclusão que, enquanto esses dois países são casos de Estados de partido único, o Brasil representava uma situação peculiar de Estado sem partido: os partidos políticos não existiam nem no papel nem na prática.
Com base em ampla base empírica, Loewenstein analisou o funcionamento das instituições brasileiras (sistema de justiça, mídia etc.) —em comparação com a Alemanha nazista e outros países—, concluindo que no Brasil o arbítrio aplicava-se de forma muito mais restrita. Especulava que “a persistência da regra da lei no Brasil de hoje, mesmo sob pressão de um regime autoritário, o qual em termos constitucionais é materialmente ilimitado, pode ser creditada à tradição enraizada e forjada no marco da monarquia constitucional no Império”.
Revisitar Loewenstein é urgente porque o Estado Novo na nossa experiência histórica foi o regime político que mais se pareceu com o fascismo. E ele próprio é a um só tempo testemunha e pesquisador pioneiro do assunto. Sua análise deixa claro que a redução da expressão fascismo a autoritarismo é pobre analiticamente.
No debate público americano atual, Jason Stanley e Timothy Snyder têm insistido que sob Trump os EUA teria se tornado fascista. Samuel Moyn retruca, como escrevi neste espaço, que é irônico que a maior oportunidade para implementar o fascismo (a pandemia) produziu inação, e não um ditador.
E adverte que mostrar o que situações tem em comum é banal; há similaridades em quaisquer fenômenos: “a comparação sem o reconhecimento de diferenças é puro partidarismo”. Como amplamente demonstrado por Loewenstein! (Folha de S. Paulo – 10/08/2020)
Marcus André Melo, Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)