Luiz Carlos Azedo: Sai Friedman, entra Samuelson

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

O principal guru do ministro da Economia, Paulo Guedes, é o grande patrono da Chicago School of Monetary Economics: o economista ultraliberal Milton Friedman, nascido e criado no Brooklyn, em Nova York, filho de um casal de judeus imigrantes da Ucrânia. Friedman queria estudar matemática, mas os professores Arthur F. Burns e Homer Jones o influenciaram a estudar economia. Burns, pela dedicação à pesquisa; Jones, porque conseguiu uma bolsa de US$ 300 para ele estudar na Universidade de Chicago, da qual se tornou professor em 1946, por 30 anos. Em 1962, no livro Capitalismo e Liberdade, no qual reuniu suas principais conferências, defendeu a abolição de subsídios agrícolas, tarifas/cotas de importação, controle de aluguéis, salário mínimo, moradia subsidiada, licenciamento profissional, seguridade social, monopólio estatal dos correios, agências regulatórias e alistamento militar obrigatório. Vendeu 500 mil exemplares.

Em 1976, Friedman ganhou o Nobel de Economia, para o qual foi fundamental sua atuação no Chile, como conselheiro dos economistas chilenos egressos da Universidade de Chicago que implantaram as reformas liberais do general Augusto Pinochet, o ditador chileno que havia deposto Salvador Allende, em 1973, equipe da qual o ministro Guedes fez parte. Vem daí a associação de Friedman ao autoritarismo — as reformas somente foram possíveis depois de um banho de sangue —; porém, ele teve uma única conversa com Pinochet. Entretanto, suas palestras fizeram grande sucesso e seus conselhos foram seguidos à risca: cortes rápidos e severos nos gastos do governo para conter a inflação, instituições mais abertas ao comércio internacional e políticas compensatórias para aliviar a vida das classes mais pobres.

Ontem, o presidente Jair Bolsonaro assinou medida provisória que cria um novo programa de habitação do governo federal, batizado de Casa Verde e Amarela, concebido para substituir o programa Minha casa, Minha Vida, criado em 2009, no governo Lula, para ser o carro-chefe da eleição da presidente Dilma Rousseff. Além de financiamento de imóveis, o programa de Bolsonaro prevê ações voltadas à regularização fundiária, à reforma de imóveis e à retomada de obras. Os juros do financiamento das habitações do programa serão menores nas regiões Norte e Nordeste.

A previsão do governo é gastar R$ 25 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e R$ 500 milhões do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS, fundo privado, mantido por bancos) e gerar 2,3 milhões de novos postos de trabalhos até 2024, entre diretos, indiretos e induzidos. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, será o responsável pelo programa, que vai ampliar o número de famílias beneficiadas mediante redução na taxa de juros do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço “para a menor da história”, além de mudanças na remuneração dos agentes financeiros.

Político hábil, Marinho convenceu o presidente Jair Bolsonaro e ganhou a queda de braço com Guedes. Economista, é um desenvolvimentista. Investimentos em habitação, ou seja, na construção civil, setor mais dinâmico da economia das cidades e grande empregador de mão de obra direta, têm grande “efeito multiplicador” na economia. É aí que entra o Paul Samuelson, ganhador do prêmio Nobel de 1970, um dos economistas mais influentes do século, defensor da aplicação desse conceito na política econômica. Físico e economista, Samuelson é autor de Fundamentos da Análise Econômica, ou Economics, um clássico da teoria econômica, que extrapola o campo da matemática na análise da complexidade da econômica.

Como funciona

O “multiplicador” é um efeito de segunda ordem sobre o sistema econômico criado pelo investimento. A expansão de um componente específico da renda nacional gera um resultado final maior do que o inicial para o PIB total. Qualquer alteração nas contas de consumo, investimento, gastos governamentais ou exportações impacta os indicadores de crescimento. Há três tipos de multiplicadores: o monetário, o fiscal e o keynesiano. O “multiplicador monetário” ocorre por meio do sistema bancário que, ao emprestar o que recebe através dos depósitos do público, multiplica a base monetária da economia, ou seja, o total de moeda disponível. O tomador do empréstimo vai investir esse dinheiro em produção para obter lucros superiores aos juros negociados com o banco. A poupança vira investimento e aumenta a renda. Já o “multiplicador fiscal” é uma mudança nos gastos governamentais, que impactará toda a renda nacional, com progressivo aumento no consumo e da renda, impactando generalizadamente na demanda agregada. Ou seja, a expansão do gasto público.

O “multiplicador keynesiano” refere-se ao impacto gerado pelo investimento. Quando há um aumento dos investimentos produtivos das empresas, haverá aumento na produção e mais contratação de mão de obra. Essa renda se reverte em consumo e poupança, sendo que o consumo é reinjetado na produção, aumentando ainda mais a renda nacional. A poupança será utilizada na sequência para investir em mais produção (por meio do multiplicador bancário) que será puxada pela demanda, com a ampliação do consumo. Ou seja, cada aumento na equação do PIB — consumo, investimento, gastos do governo ou exportações líquidas — gera um aumento na renda nacional. O problema é que essa conta não fecha numa situação como a que o Brasil está vivendo, sem poupança interna nem capacidade de endividamento. O próximo passo será “furar o teto” dos gastos públicos e emitir moeda. (Correio Braziliense – 26/08/2020)

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