José Couto Júnior: Boas Práticas x Políticas Públicas, a diferença entre o marcar e o criar bases

A escola pública está repleta de bons profissionais que, por vezes, são apontados
como “super heróis”. No entanto, parte deste “heroísmo” surge devido ao fato
de que carecemos de ações de Estado que alicercem nossas práticas

O que sente um professor ao perceber que seu trabalho impactou positivamente a vida de um aluno? Como docente e gestor escolar, penso que esta resposta não caberia em um artigo. Vou além, estou certo de que por maior esforço que fizesse meu vocabulário seria limitado para definir a sensação.

Em onze anos de magistério, para a minha felicidade, vivenciei diversos momentos assim. Algumas vezes com agradecimentos de ex-alunos reconhecendo a importância de uma aula ou de uma reflexão na sua formação ou escolha profissional. Em outros momentos, pela observação de um brilho diferente no olhar do estudante. Este movimento nem é tão sutil, já que geralmente é seguido por uma série de empoderamentos e apropriações dos alunos que passam a interagir com mais propriedade nas aulas.

Compreendo que a educação tem exatamente este papel. Como defendia Paulo Freire, ela deve ser “libertadora” e não “bancária” logo, se uma construção em minha sala gerou ou consolidou ferramentas de argumentação, reflexão e inquietação eu posso dizer que realizei uma “boa prática”.

Este sempre foi o meu norte ao planejar. No entanto, quis o destino que uma destas práticas fosse reconhecida. O Prêmio Educador Nota 10 de 2018 trouxe ganhos a todos os envolvidos. Pessoalmente, tive um reconhecimento profissional nunca cogitado; meus alunos tiveram seus trabalhos e talentos visibilizados – alguns até obteveram sucesso ao tentar vagas em escolas de referência – por fim, impactou toda a comunidade escolar, que teve a sua autoestima elevada a níveis estratosféricos.

Penso não ser o mais indicado para responder sobre o impacto do projeto “As Caravanas Limites da Visibilidade”. Como sujeito e produto dele é muito difícil apontar “falhas” em algo tão marcante. Mas, dois anos após o prêmio, fora do calor dos acontecimentos, vejo que os frutos do projeto passam dia após dia a terem nomes e rostos mais concretos e, de forma proporcional, deixa de ser impactante para novos
estudantes.

Isto não acontece por falta de competência das pessoas que continuam na escola e sim pelo fato de que se por um lado as boas práticas marcam, por outro somente as políticas públicas criam bases efetivas para a transformação da sociedade.

A escola pública está repleta de bons profissionais que, por vezes, são apontados como “super heróis”. No entanto, parte deste “heroísmo” surge devido ao fato de que carecemos de ações de Estado que alicercem nossas práticas. A luta por uma educação de qualidade não pode ter como foco somente estes bons exemplos. É necessário que a essência destas boas ações seja sistematizada pelas redes de ensino.

O Caravanas não cabe em todas as escolas do Rio de Janeiro, mas o seu fundamento de desconstruir preconceitos e mitigar a invisibilidade social deveria estar em todas as salas de aula da cidade. Assim se constrói uma educação libertadora, quando boas práticas são inspiração para mudanças em larga escala. (Publicado originalmente no jornal O Dia, 25.08.2020)

José Couto Júnior é professor de História e Mestre em Educação pela UERJ-FFP, atua na Rede Municipal de Ensino desde 2009

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