Vinicius Torres Freire: O futuro político da CPMF fantasiada

Uma CPMF não passa no Congresso, estamos cansados de ouvir. Mas deputados dizem que querem conhecer esse imposto sobre pagamentos digitais ou comércio eletrônico de Paulo Guedes. Dizem também que está mais complicado passar uma reforma tributária ampla, como quer Rodrigo Maia, sem negociações maiores com o governo, porque o “jogo político mudou um pouco”.

Jair Bolsonaro conta agora com um bloco de uns 180 deputados, gente do centrão e agregados. É um juntado sem grandes convicções de qualquer espécie, mas que deve cumprir em parte o acordo no qual levou cargos no governo.

Guedes tem cantado deputados do centrão, mais exatamente do PP e do PL, com promessas de trocar a aprovação do seu imposto digital por redução de tributos sobre folha de pagamento ou por um programa mais gordo de renda básica.

Essa promessa de engordar a renda básica com receita e despesa novas não faz sentido a não ser que: 1) se estoure o teto de gastos; 2) se reduza a despesa com servidores; 3) se reduza o investimento em obras a quase zero.

O governo pretende acabar com benefícios como o abono salarial, por exemplo, a fim de destinar mais dinheiro para o que chama de Renda Brasil. Para tanto, não precisa de mais imposto. Derrubar o teto de gastos está fora de cogitação.

Foi para a gaveta a emenda constitucional de redução “emergencial” de despesa com servidores e benefícios atrelados ao salário mínimo. A reforma administrativa foi adiada sine die e não deve bulir com funcionários já contratados, ordenou Bolsonaro.

Reduzir o investimento a quase zero é possível e compatível com o projeto de destruição do país, mas um terço dessa despesa é determinada por emendas parlamentares e outro tanto também atende a interesses políticos locais. Logo, desse mato não deve sair nem um cachorro magro.

Bolsonaro vetou a lei que prorrogava até o final de 2021 a redução de impostos sobre a folha de alguns setores, o que irritou a Câmara. Guedes pede a parlamentares que não derrubem o veto porque “vem aí” uma desoneração maior da folha, que seria compensada pelo imposto digital, caso Bolsonaro não vete a ideia assim que sair de seu catre.

Este jornalista ouviu 14 parlamentares dados a assuntos econômicos. Ninguém soube dizer o que seria o tal imposto digital. Aceitam ouvir a nova proposta de Guedes desde que não seja CPMF disfarçada.

Maia quer tocar a ampla reforma de unificação de tributos desde já. Mas tem problemas novos: 1) o Senado quer tratar do assunto apenas a partir de agosto e pode não engolir uma reforma da Câmara; 2) setembro é mês de convenções partidárias e início da campanha eleitoral; 3) há muito mais deputados no time do Planalto. Ainda não estreou, mas pode jogar na retranca de interesses de Bolsonaro.

Ou seja, o tempo para a reforma é curto e a resistência política pode ser maior.

A disputa entre empresas a respeito de quem paga a conta da mudança tributária pode ser mais renhida. O setor de serviços tenderia a pagar mais impostos na reforma “ampla”; arrebentou-se muito na crise do vírus. No Congresso, há conversas sobre impostos novos, sobre ricos, lucros, empresas “Big Tech”. Há mais ruído e grande interesse em criar uma renda básica mais ampla que o Bolsa Família.

A pelada está mais cadenciada, embora possa haver um revertério caso voltem as botinadas golpistas ou apareçam cartões vermelhos nas investigações judiciais. Mas o jogo mudou, nestes 33 minutos do primeiro tempo do governo Bolsonaro. (Folha de S. Paulo – 17/07/2020)

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