Eduardo Rocha: Qual austeridade fiscal ou quem pagará a conta (5)?

A questão fiscal caminha num terreno movediço dentro dum nevoeiro traiçoeiro e sobre uma estreita, fina e frágil faixa de terra, cuja travessia requer todo o cuidado para não cair, de um lado, na contração fiscal e, de outro, na expansão descontrolada do déficit primário e da dívida pública.

Ambas têm efeitos negativos na economia, na execução das políticas sociais essenciais, nas próprias finanças públicas (recessão traz queda da arrecadação), na repartição do “bolo” tributário entre União, estados e municípios, e, por fim, no imaginário popular sobre os benefícios socioeconômicos da democracia.

Não há uma solução única e simples para um problema complexo. É necessário um conjunto de medidas para a recuperação financeira do Estado. Além da reforma tributária justa, essencial para alavancar o crescimento, repactuar financeiramente a federação e garantir a rede de proteção social, é preciso definir os eixos de uma austeridade fiscal que não sacrifique a execução das políticas públicas em suas diversas frentes nem bloqueie a promoção do desenvolvimento.

Dentre esses eixos estão o corte de privilégios fiscais à minoria, maior controle social sobre os gastos públicos, melhor aparelhamento dos órgãos fiscalizadores e arrecadadores, combate implacável à sonegação, dentre outras ações destinadas a interromper a corrosão fiscal.

Por mais que os gastos sociais sejam presas fáceis a todo receituário de austeridade conservadora, a conta do equilíbrio fiscal não pode ser jogada à pobre mesa dos miseráveis. Na mão da tesoura fiscal há o dedo da morte do social.

Não se trata, portanto, só de recuperação fiscal, mas da reinvenção do papel do Estado rumo a um “Estado 5G” e de sua relação com uma sociabilidade brasileira que coexiste com o atraso e o moderno em suas entranhas. Trata-se ainda de determinar qual a natureza das reformas estruturais necessárias para sair das órbitas da reedição de mais uma década perdida e da perpetuação das mazelas sociais seculares.

Como esse debate é 5% técnico e 95% político, tomo aqui emprestado um feliz raciocínio exposto em abril deste ano pelo primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, à primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, quando dos debates acerca do futuro europeu e diante dos discursos glaciais dos tecnocratas: “Nós estamos escrevendo uma página da história da humanidade, e não um manual de economia.”

Afirmamos o mesmo em nosso caso. Não se trata de escrever um novo clássico de economia política, mas de escrever as futuras páginas da democracia e da civilização brasileiras.

Eduardo Rocha, economista

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