Bruno Carazza: O povo’ contra Zuckerberg

Redes sociais enfrentam resistência regulatória

Durante a segunda metade da década de 1990, a internet se popularizou e um mundo de possibilidades parecia se abrir. O índice Nasdaq, a bolsa de valores onde a maioria das pequenas e médias empresas de tecnologia emitiam seus títulos, saltou de 1.288,37 em janeiro de 1995 para 7.092 pontos cinco anos depois, quando nos demos conta de que o mundo não havia acabado por causa das profecias religiosas e nem pelo bug do milênio. Mas logo depois a bolha pontocom estourou.

Uma série de motivos levou a uma forte desvalorização das ações de empresas de tecnologia, como o aperto monetário promovido pelo Fed entre 1999 e 2000, a conscientização dos investidores de que muitas daquelas startups não tinham fôlego para transformar em lucros as promessas miraculosas de valorização e escândalos corporativos em que empresas forjavam seus resultados para atrair novos aportes de recursos.

A primeira menção ao Facebook nas páginas do Valor Econômico foi numa reprodução de uma reportagem da BusinessWeek que tratava justamente do renascimento das empresas do Vale do Silício. O texto trazia uma lista de novas firmas que poderiam ser alvo de aquisições pelas gigantes da época, como Microsoft, HP, SAP e (veja só!) Yahoo. Nele, especulava-se que “o site Facebook, especializado em confraternização de estudantes universitários, poderia ser atraente para uma empresa como a News Corp”.

Mark Zuckerberg e seus colegas de quarto em Harvard haviam lançado o TheFacebook em 4 de fevereiro de 2004. Quando o Valor publicou essa matéria, em setembro de 2005, a empresa havia acabado de perder o “The”, e o que se viu nos anos seguintes foi a pequena “rede social de estudantes” passar de caça a predadora, lançando-se numa sequência de aquisições de mais de 80 negócios, sendo as mais famosas o Instagram (2012) e o WhatsApp (2014).

Movimento similar foi realizado pelas outras quatro tech giants (Google, Microsoft, Apple e Amazon), que deglutiram criações promissoras como YouTube, Skype, Waze, LinkedIn, Picasa e GitHub. Somando essas incorporações aos produtos desenvolvidos internamente, esses conglomerados controlam hoje a forma como nos informamos, comunicamos, consumimos e até mesmo nos movimentamos por aí.

No mês passado Cielo e Facebook anunciaram ao mercado que pretendem lançar no Brasil uma ferramenta de pagamento diretos por meio do WhatsApp. Mas a associação entre a empresa líder em operações por cartões (com 40% do “market share” nacional) com o principal aplicativo de mensagens do mundo (que possui mais de 120 milhões de usuários ativos só no Brasil) foi suspensa preventivamente pelo Cade e pelo Banco Central – embora na última semana o órgão de defesa da concorrência tenha revisto provisoriamente sua posição.

Na queda de braços entre empresas e órgãos reguladores, são bilhões de reais em jogo e um dilema de princípios e objetivos de política econômica: de um lado, promessas de comodidade e facilidade para o usuário, com a possibilidade de realização de transações por um meio simples e acessível por todas as classes sociais; de outro, a preocupação em preservar o ambiente concorrencial, garantir a eficiência do sistema de pagamentos.

Esta não é a única frente de batalha do Facebook. Depois das acusações de quebra de privacidade e fornecimento de dados para a consultoria Cambridge Analytica desenvolver estratégias eleitorais para políticos como Donald Trump, a empresa de Zuckerberg agora é o principal alvo do movimento #StopHateForProfit. Uma mobilização de organizações sociais questiona o Facebook e outras mídias de serem lenientes com o discurso de ódio e o extremismo, em troca de cliques e tempo de tela de seus usuários. Sensibilizadas pela repercussão, grandes anunciantes como Pfizer, Microsoft, Starbucks e Unilever suspenderam a compra de espaço nas redes sociais durante o mês de julho numa tentativa de forçá-las a rever seus algoritmos e melhorar a política de moderação de comentários.

Aqui no Brasil, além dos ecos dessa mobilização nos Estados Unidos, há a discussão em torno do projeto de lei das “fake news”. De autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e batizada com o pomposo nome de Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, a proposta acabou de ser aprovada no Senado e deve mobilizar os debates nas próximas semanas.

A leitura do artigo 3º do projeto revela o quão complexo é esse assunto. Afinal de contas, é virtualmente impossível equilibrar, na letra fria da lei, princípios e direitos tão fluidos e muitas vezes conflitantes como liberdade de expressão, respeito às preferências políticas individuais, privacidade, acesso universal aos meios de comunicação e informação e transparência.

Na sua essência, o projeto amplia a responsabilidade dos provedores de redes sociais (como Facebook, Instagram, Twitter, TikTok etc) e de mensagens privadas (WhatsApp, Telegram e Messenger, entre outros) em relação a identificação dos titulares das contas, restrições à atuação dos famosos “bots” que amplificam o alcance de mensagens e criação de procedimentos para a retirada de conteúdos ofensivos.

Enquanto a pandemia acelera uma tendência que já parecia irreversível de inserção dos negócios e das relações profissionais no mundo virtual, o projeto de lei nº 2.630/2020 determina que os provedores dos serviços devem limitar o envio de mensagens e adotar políticas de transparência quanto aos conteúdos impulsionados e à veiculação de publicidade. E nestes tempos em que os políticos elegem as redes sociais como o fórum para se comunicar com eleitores e representados, medidas ainda mais restritivas são direcionadas à propaganda política.

Não há dúvidas de que nossa vida se tornou bem fácil com o advento das maravilhas desse mundo tecnológico. Mas à medida que nossos relacionamentos, negócios e expressões políticas acontecem predominantemente no ambiente virtual, mais difícil se torna equilibrar interesses, objetivos e princípios divergentes – é alto o preço que temos de pagar por esse admirável mundo novo. (Valor Econômico – 06/07/2020)

Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”. Escreve às segundas-feiras – E-mail: bruno.carazza@gmail.com

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