Surgiram neste final de semana os primeiros sinais de que a sociedade civil, mesmo que ainda desorganizada devido à pandemia, se movimenta para tentar barrar as investidas autoritárias do presidente Bolsonaro e seus seguidores.
Provavelmente, a persistência dos bolsonaristas nos ataques às instituições que são a base da democracia, Legislativo, Judiciário e imprensa profissional, levou a esse levante quase simultâneo que produziu manifestos de juristas, intelectuais, personalidades de diversos setores, juízes, promotores, procuradores, todos preocupados em defender a democracia.
Não são apenas notas de protesto, comuns em situações de confronto, mas exposições de pensamentos de setores fundamentais numa sociedade democratica. Até mesmo nas ruas, que deveriam estar desertas diante da tragédia da Covid-19, houve confrontos entre os que se autointitularam democratas contra os apoiadores de Bolsonaro, o que evidencia bem a postura de cada grupo.
Uma novidade dessa movimentação é que torcidas organizadas de times de futebol, como Corinthians, Palmeiras, Flamengo, e outros apareceram no Rio e São Paulo como forças políticas contrárias ao governo Bolsonaro, o que parece ser uma tendência, já cristalizada na Argentina, por exemplo, onde os “barra bravas” são uma forca de apoio ao peronismo de esquerda, alimentados sobretudo nos últimos anos do kirchnerismo.
Essa mistura de torcidas organizadas com política é preocupante, diante da violência que caracteriza esse tipo de manifestação, especialmente na cultura da América Latina. Outra consequência é que vai ficar mais difícil para o presidente Bolsonaro frequentar estádios de futebol, como gosta de fazer.
O manifesto do “Estamos Juntos”, que já tem mais de 200 mil assinaturas, é amplo, pretende unir “Esquerda, centro e direita” para defender “a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia”.
O movimento “Basta!”, de juristas e advogados, coloca-se contra os ataques de Bolsonaro às instituições democráticas e acusa o presidente de já ter cometido crimes de responsabilidade, o que pode levar a um pedido de impeachment na Câmara dos Deputados em Brasília. Uma característica desses manifestos é a fixação de que o governo Bolsonaro, embora eleito legitimamente, não representa hoje a maioria da população.
Mesmo que ainda representasse a maioria que o elegeu presidente da República, não tem o direito de não respeitar as minorias e negar-se ao diálogo, necessário na democracia. “#Somos 70 PorCento” é o nome de um desses movimentos, que define os que, na mais recente pesquisa DataFolha, consideram o governo Bolsonaro ruim, péssimo ou regular.
Os manifestos de juizes, promotores e procuradores focam na defesa do Estado de Direito, denunciando abusos e manifestações “autoritárias e antidemocráticas”. O próprio Procurador-Geral da República, Augusto Aras, foi levado a assinar um manifesto dos Procuradores-Gerais do Brasil afirmando que o Ministério Público “cumprirá com seus deveres constitucionais na salvaguarda da ordem jurídica que sustenta as instituições do País”.
Augusto Aras é peça chave nos dois processos contra o presidente Jair Bolsonaro que correm no STF. A pressão no Ministério Público, tanto externa como interna, pode ter resultado, sobretudo a pressão da opinião pública pode ter efeito sobre o PGR que, até agora, só tinha a do presidente. São importantes as manifestações desses diversos grupos pedindo um basta à tentativa de romper com a democracia. A sociedade, que tem a maioria na oposição ao governo, começou a se movimentar, e é uma tendência que vai crescer nos próximos meses. (O Globo – 02/06/2020)