Na América Latina, na base de dados do CNTS, com informação sobre protestos desde 1946, o Brasil aparecia distante da Argentina (país com mais protestos, junto com Bolívia) e perto da Costa Rica (com menos). Por outro lado, um estudo do BID de 2008 apontava o Brasil e Chile como os países onde “as ruas” importavam menos, e as instituições formais pesavam mais.
O padrão certamente mudou desde 2013.
As “ruas” despertam grandes expectativas hoje porque é uma das variáveis “faltantes” na equação do impeachment, que inclui crise econômica, escândalo, e governo minoritário. A ausência, no entanto, é inteiramente contextual: o confinamento é uma restrição forte e seu substituto pobre –os panelaços– mostrou limitações.
As pesquisas sobre processos de impeachment apontam, de fato, para o papel crucial das “ruas” em processos de afastamento do presidente. No entanto deveríamos atentar para a experiência de impeachment de presidentes populares sem base parlamentar, como Fernando Lugo, no Paraguai.
O Congresso aprovou seu impeachment em 48 horas, ante a expectativa de forte mobilização da base do presidente.
Do ponto de vista dinâmico, importa a trajetória das duas variáveis (comportamento das crises sanitária e econômica), mas a variável crítica é o apoio do centrão (parte dos partidos de esquerda preferem ver o presidente sangrar). É certo que ele garante um escudo legislativo até o ponto no qual uma queda de popularidade pode tornar o presidente tóxico, ou que a sua incompatibilidade dinâmica com os setores do bolsonarismo raiz produza crises (assistiremos a algo como a formação do PSOL em 2003, com sinal político trocado?).
Para Bolsonaro, o valor do confinamento mudou de forma não trivial desde meados de abril, quando a questão do impeachment adquiriu centralidade. Se o confinamento era combatido por seu impacto na economia e para deslocar a responsabilidade pela crise para os governadores, no momento ele o é porque represa a mobilização do bolsonarismo raiz na defesa do presidente. Mas o Congresso é quem tem a chave do processo: e ao fim e ao cabo o que interessa é seu efeito sobre os parlamentares.
O “desconfinamento” libera, portanto, forças que operam em direções contrárias. Seu resultado político líquido é incerto e depende da trajetória das outras variáveis (recessão, caos sanitário e centrão vs bolsonarismo raiz). Mas uma coisa é certa: o potencial para violência se eleva de forma explosiva.
Esses fatores combinados determinam a popularidade presidencial, a qual é crucial para o apoio congressual a um impeachment. Caso se torne tóxico, ele se viabiliza por efeito manada. (Folha de S. Paulo – 15/06/2020)
Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universidade Yale. Escreve às segundas