Luiz Carlos Azedo: Saudades do Mandetta

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou, ontem, um relatório do ministro Vital do Rêgo que resume o que todo mundo estava vendo: falta de diretrizes e coordenação entre entes federados e órgãos oficiais no combate à covid-19, por culpa do governo federal. Esse era o ponto forte da gestão de Luiz Henrique Mandetta, defenestrado do cargo porque o presidente da República ficou enciumado da popularidade adquirida pelo então ministro da Saúde e discordava da estratégia de isolamento social que havia adotado. Bolsonaro queria distribuir cloroquina a todos os infectados e implementar a atual estratégia de “imunização de rebanho”.

Quando Mandetta saiu da Saúde, em 16 de abril, o Brasil contabilizava 1.924 mortes; hoje, já são quase 54 mil, uma tragédia anunciada. Na ocasião, as pesquisas mostravam que 76% dos entrevistados aprovavam o desempenho do ministro da Saúde, que antes era avaliado positivamente por 55%. A pandemia havia catapultado sua popularidade, graças ao excepcional desempenho na liderança do Sistema Unificado de Saúde (SUS). Ao contrário, a atuação de Bolsonaro, que havia entrado em guerra com os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e se descolado de Mandetta, havia oscilado para baixo, de 35% para 33%. Os ciúmes do clã Bolsonaro — verbalizado nas redes sociais e entrevistas do presidente da República — puseram tudo a perder. Para substituir Mandetta, Bolsonaro escolheu o médico oncologista Nelson Teich, que ficou apenas um mês na pasta e caiu fora, depois da fatídica reunião ministerial de 22 de abril, cujas imagens revelam seu espanto com o que aconteceu na ocasião. A essa altura da pandemia, já eram mais de 14 mil mortos.

Os ministros militares do Palácio do Planalto — os generais Augusto Heleno (GSI), Rego Barros (Casa Civil), Fernando Azevedo (Defesa) e Luiz Ramos (Secretaria de Governo) — bem que tentaram segurar Mandetta no cargo, mas foi um esforço em vão. A ala radical do governo, liderada por Carlos Bolsonaro — que não faz parte do governo, mas tem grande influência no governo — já havia selado o destino de Mandetta. No início de abril, Bolsonaro disse à rádio Jovem Pan que o subordinado deveria “ter mais humildade” e “ouvir um pouco mais o presidente”. Ao saber da crítica, Mandetta falou com o chefe por telefone e ouviu dele que deveria “pedir demissão”. Respondeu: “O senhor que me demita”. Era o fim da linha.

Efeito Orloff

No relatório apresentado ao Tribunal de Contas, Vital do Rêgo critica a ausência de integrantes técnicos da área de saúde no comitê de gestão da pandemia governo: “Os cargos-chave do Ministério da Saúde, de livre nomeação e exoneração, não vêm sendo ocupados por profissionais com essa formação específica”. Segundo ele, isso pode levar a decisões não baseadas em questões médicas e científicas, o que resulta em “baixa efetividade das medidas adotadas de prevenção e combate à pandemia, desperdícios de recursos públicos e aumento de infecções e mortes”. O TCU recomendou a inclusão, como membros permanentes do Comitê de Crise da Covid-19, dos presidentes do Conselho Federal de Medicina, da Associação Médica Brasileira e do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, com direito a voz e a voto. Entretanto, o governo não é obrigado a cumpri-la.

O relatório também destaca a ausência de ampla divulgação das ações de enfrentamento à crise de saúde pública e recomenda a inclusão de um representante da Secretaria de Comunicação Social no Centro de Coordenação de Operações do Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19 (CCOP). O TCU determinou, porém, que a Casa Civil passe a divulgar no prazo de 15 dias na internet as atas das reuniões do Comitê de Crise e do CCOP. A Fortuna de Bolsonaro pode ser comparada à do presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, que também defendeu o uso de cloroquina e inicialmente se opôs ao isolamento social, embora agora tente se reposicionar, depois de ver sua reeleição caminhar em direção ao brejo.

Hoje, Trump amarga 14 pontos atrás do seu concorrente democrata, Joe Biden. Agora, o principal aliado de Bolsonaro na política externa, embora se declare seu amigo, cita o Brasil como mau exemplo a ser seguido no combate à pandemia. Bolsonaro cometeu um erro fatal ao demitir Mandetta, com quem dividiria o prestígio. Como diria o Conselheiro Acácio, personagem de Eça de Queiroz em O Primo Basílio, as consequências sempre vêm depois. A flexibilização precoce do isolamento social por governadores e prefeitos, pressionados por Bolsonaro, está provocando o aumento do número de casos da covid-19, inclusive, onde a pandemia estava sendo controlada. Além disso, governo perdeu o rumo na economia. (Correio Braziliense – 25/06/2020)

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