A presença do poder público pode levar rapidamente à redução do desmatamento
Desde a mais remota Antiguidade os seres humanos tiveram uma relação complexa com as florestas, que durante milênios foram a única fonte de calor disponível: o uso da madeira para cozinhar alimentos e aquecer ambientes permitiu o salto evolutivo que deu origem ao Homo sapiens.
Ao longo dos séculos os produtos florestais foram também a principal fonte de materiais de construção, móveis e navios; como consequência, as florestas que cobriam toda a Europa foram praticamente erradicadas, dando lugar à agricultura. O mesmo aconteceu com a Mata Atlântica, que cobria o Sudeste e o Sul do Brasil e da qual restam apenas cerca de 15% por causa da exploração predatória do pau-brasil pelos colonizadores portugueses.
A eliminação total de florestas na Europa, a partir do século 18, só não se concretizou graças ao uso crescente do carvão mineral que representou, na época, um enorme progresso tecnológico, abrindo caminho para a revolução industrial na Inglaterra.
Mesmo antes disso os países da Europa se deram conta dos efeitos negativos da erradicação de suas florestas e trataram de restaurá-las, por motivos estritamente pragmáticos: econômicos, de proteção das nascentes dos rios e do meio ambiente em geral. A imperatriz Maria Teresa da Áustria iniciou esse processo, estendido logo depois a todos os demais países da Europa. Cerca de metade do continente europeu é hoje coberta por florestas plantadas, que substituíram as florestas originais.
A ideia do uso sustentável das florestas não foi invenção dos ambientalistas, mas de estadistas com ideias avançadas. Até no Brasil isso foi feito, de forma limitada, com a recuperação da Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, onde a Mata Atlântica havia sido totalmente eliminada.
Não há nada pior do que não aprender com os erros do passado e há dois exemplos históricos sobre os quais o governo federal deveria refletir antes de defender a ideia de que os países da Europa utilizaram suas florestas para fins produtivos no passado e agora querem impedir que usemos a Floresta Amazônica para alavancar o nosso progresso.
Há amplo espaço naquela região para usá-la com cuidado, pois é uma área imensa onde é permitido – pelo Código Florestal – utilizar 20% da floresta para atividades agrícolas e pecuária. Os 80% restantes incluem unidades de conservação, reservas indígenas e áreas de proteção ambiental de vários tipos, criadas por lei ao longo do tempo.
Muitas delas foram criadas há mais de 50 anos e seus limites foram fixados antes de se conhecerem com precisão a existência de muitos recursos minerais e as possibilidades de aproveitamento do potencial hidrelétrico de alguns rios da região, mas correções desses limites são possíveis com a aprovação do Congresso Nacional.
O que é inadmissível é o desmatamento predatório e ilegal. A experiência mostra que a presença do poder público pode levar rapidamente a uma redução dramática dessas atividades: o desmatamento caiu radicalmente no governo Collor, em 1991, e de mais de 15 mil quilômetros quadrados por ano para cerca de 5 mil quilômetros quadrados no período de 2004 a 2012. Esses sucessos podem ser repetidos equipando melhor o Ibama e usando as Forças Armadas para apoiá-lo nessa missão, preservando as atividades produtivas legais.
A melhoria das tecnologias da agropecuária, de modo a permitir aumentar a densidade do gado nas áreas desmatadas, reduziria a necessidade de desmatar mais e avançar a fronteira agrícola na Amazônia, como está acontecendo. Ajudaria muito também aumentar a produtividade na produção de milho e outras culturas, como argumenta corretamente a ministra da Agricultura. A produtividade de soja no Brasil é muito próxima da produtividade dos Estados Unidos. Já a produtividade do milho é apenas metade da produtividade americana. Pesquisa científica poderia resolver esse problema, bem como o amplo uso de produtos florestais de forma sustentável, como já é feito com o açaí e produtos cosméticos e farmacêuticos.
O que torna o problema da Amazônia difícil é que vivem lá cerca de 25 milhões de pessoas, que cortam a floresta para seu benefício imediato, vendendo madeira ou criando gado para sobreviver, além de culturas de subsistência. Por outro lado, os que não vivem na região – quer no Brasil, quer no exterior – valorizam os benefícios no longo prazo de manter a floresta intocada para preservar a biodiversidade e o estoque de carbono ali armazenado.
Para quem vive no Sudeste do Brasil, a destruição da floresta leva à mudança do regime de chuvas na região. Para os europeus, lançar na atmosfera bilhões de toneladas de carbono frustra seus esforços para combater o aquecimento global.
Esse é um problema clássico de conflito entre “interesses locais” e “interesses difusos”. Em lugar de demonizar os que defendem “interesses difusos” na preservação da Amazônia como sendo interferência na nossa soberania, o que caberia fazer seria converter estes “interesses difusos” em recursos financeiros para protegê-la. (O Estado de S. Paulo – 15/06/2020)
José Goldemberg, professor emérito da USP, foi ministro do Meio Ambiente