Fernando Gabeira: O fascismo eterno e o fascismo tabajara

Há obsessão com a conspiração, sobretudo a internacional. Esse talvez seja dos traços mais decisivos na política externa

Fascismo tabajara é uma feliz expressão criada pelo cientista político Luiz Werneck Vianna. Fascismo eterno é um conceito do intelectual italiano Umberto Eco e foi tema de uma de suas conferências nos EUA.

Como muita gente nova tem me perguntado o que é o fascismo, resolvi trabalhar um pouco o tema, partindo das características eternas do fascismo para suas manifestações tropicais. A conferência de Umberto Eco acabou resultando num livro de 64 páginas. Ele entende como fascismo esse regime nacionalista, autoritário, que vigorou na Itália e foi derrubado no final da Segunda Guerra.

Quando garoto, Umberto Eco participava de concursos de composições com esse tema: “Devemos morrer pelo glória de Mussolini e o destino imortal da Itália?” Como um garoto esperto, respondia que sim. Eco viu os americanos ocuparem a Itália, Mussolini ser executado e refletiu tantos anos sobre o fascismo que acabou extraindo do regime as suas características que sobrevivem aos tempos.

São 14 traços essenciais e, segundo Eco, não precisam estar todos presentes para definir um regime fascista. É temerário condensá-los num curto artigo e apontar sua manifestação tabajara.

Alguns, no entanto, são tão evidentes que não demandam profundas análises comparativas.

Eco acha que para o fascismo eterno não há luta pela vida, mas antes “vida para a luta”. “Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo; o pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente.”

Daqui salto para dois outros traços essenciais: a relação com a cultura e a relação com as armas. Para o fascista, a relação com a cultura também é uma guerra permanente. Daí a célebre expressão atribuída por Eco a Goebbels: “Toda vez que ouço falar de cultura tenho vontade de sacar minha arma.”

No campo das armas, também se desenha um traço essencial do fascismo eterno. O fascismo eterno transfere sua vontade de poder para questões sexuais. Esta é a origem de seu machismo, que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos não conformistas, como o homossexualismo.

Para Eco, o herói do fascismo eterno, para quem o sexo é um jogo difícil de jogar, prefere jogar com as armas, um simbolo fálico, e seus jogos de inveja se devem a uma permanente inveja do pênis.

Para aqueles que se veem despojados de qualquer identidade social, o fascismo diz que o único privilégio comum a todos é terem nascido no mesmo país. É a base do nacionalismo extremado. O único elemento que pode conferir identidade é o inimigo.

No fascismo há uma obsessão com a conspiração, sobretudo a internacional. Esse talvez seja um dos traços mais decisivos na nossa política externa. A própria ONU parece ser uma sede de conspiração, assim como a OMS e outros organismos internacionais. O aquecimento global é uma invenção do marxismo globalizante, o corona é um vírus comunista, destinado a enfraquecer os países do Ocidente.

Entre os 14 traços essenciais do fascismo eterno, na concepção de Eco, está também a recusa da modernidade. Escrevi sobre ele, mostrando que a proposta de Bolsonaro na verdade é uma retropia, uma volta a um passado ideal, ordenado e tranquilo, desenhado por Damares, com meninos vestidos de azul, meninas, de rosa.

O fascismo tabajara também defende um tipo de tradição religiosa, na qual a verdade foi revelada e não há espaço para o avanço do saber.

Só que aqui a verdade foi revelada nas profecias evangélicas, segundo as quais Cristo deve retornar ao Oriente Médio, quando Israel recuperar suas terras. É essa profecia que move o governo Bolsonaro a querer mudar para Jerusalém a embaixada brasileira.

O interessante, para finalizar, sem finalizar de fato porque há muito o que comparar ao longo dos traços restantes, o fascismo vê diversidade como um sinal de desacordo. Ele busca o consenso exacerbando no natural medo pela diferença. Seu primeiro apelo é contra os intrusos, logo, por definição tende ao racismo.

Umberto Eco morreu recentemente. Não viu surgir de novo o movimento antifascista. Mas, sobretudo, não pôde incluir um traço ao fascismo eterno que surge aqui como nos Estados Unidos: o fascismo chama de terrorista quem se insurge contra ele. (O Globo – 08/06/2020)

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