Freire: votação do Novo Marco Regulatório do Saneamento mostra atraso da esquerda pré-muro de Berlim

Presidente do Cidadania critica argumento da “privatização da água” e sustenta que modelo tenta atrair iniciativa privada para levar água potável e tratar esgoto de milhões de brasileiros; formato atual perpetua desigualdade, diz

O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, afirmou nesta quinta-feira (25) que a aprovação do Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico diferencia a esquerda democrática, há muito favorável a parcerias com a iniciativa privada, da velha esquerda, atrasada e pré-queda do Muro de Berlim. Segundo Freire, já nas décadas de 70 e 80, o PCB, que deu origem ao PPS e, mais tarde, ao Cidadania, defendia a concessão de serviços públicos como forma de atrair investimentos para áreas nas quais o Estado teria dificuldade de se financiar.

Ele citou o exemplo do economista Ignácio Rangel, que defendia a transição do modelo de concessões de serviços públicos a empresas públicas para concessões a empresas privadas já naquela época. “Rangel me ajudou a superar a visão estatizante da economia. Não podemos ser dogmáticos e não somos. Somos um partido historicamente reformista. Éramos gorbachovianos como PCB, evoluímos como PPS e isso não mudou como Cidadania”, disse.

Veja a entrevista abaixo:

1. Como avalia a aprovação do Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico? Não é um conflito ser de esquerda e aprovar a entrada da iniciativa privada no setor?

De forma alguma. E isso está na história do PCB. Sempre fomos reformistas. Se as circunstâncias mudam, nós mudamos. Não faz sentido no mundo de hoje, descentralizado e interconectado, defender um modelo centralizado no papel do Estado. Não fazia sentido já na década de 1980, faz ainda menos agora. Não podemos ser dogmáticos e não somos. Somos um partido historicamente reformista. Éramos gorbachovianos como PCB, evoluímos como PPS e isso não mudou como Cidadania. Esse modelo está aí há décadas e deixou 100 milhões sem tratamento de esgoto e 35 milhões sem água potável. Há abertura agora para que investimentos privados ajudem a mudar esse quadro. Nada disso vai acontecer da noite para o dia, mas foi dado um passo nessa direção. A alternativa é deixar esses milhões de pessoas sem acesso a esses direitos básicos e à mercê de uma série de doenças que atingem principalmente os mais pobres.

2. A água foi privatizada como querem alguns críticos?

A nova lei não privatiza nem estatiza. Ela estabelece metas e faz cobrança pelos resultados. Cria concorrência. Se a empresa é privada ou estatal, deverá ser cobrada pelo seu serviço. O fato de uma empresa ser estatal não garante que ela serve ao interesse da sociedade. Essa é uma discussão atrasada, ideológica, que vem impedindo o Brasil de avançar. Uma âncora do pensamento. Não importa a cor do gato, desde que cace o rato.

3. Muitos alegam que o momento econômico é ruim e que haveria dificuldades para a realização de investimentos numa área que sempre foi bastante complicada em razão do grande volume de aporte necessário.

Estamos em meio a uma pandemia, com uma crise social e econômica gigantesca, agravada pelo negacionismo e pela irresponsabilidade do presidente Jair Bolsonaro. No momento, difícil realmente ver cenário de investimento produtivo no Brasil. Mas apesar de Bolsonaro, isso vai passar. Sem dúvida, com grande trauma, mas vai passar. E precisaremos estar preparados para o momento seguinte. O projeto é importante por isso, mas é evidente que por si só não resolve nada. Há uma série de condições para atração de investimentos e tudo o que Bolsonaro faz é torná-las mais distantes. Mas, passado esse momento, estados e municípios poderão atuar na contramão do presidente, se lá ele ainda estiver. Terão uma carta na manga numa área tão sensível, mas com grande potencial de mudar a realidade dos brasileiros mais vulneráveis. No Nordeste, por exemplo, somente 28% da população tem esgoto tratado.

4. O senhor vê algum paralelo com a privatização da telefonia no governo FHC? Água não é mercadoria diz quem critica…

É um comentário bastante esdrúxulo, mas aceito a provocação. Poderíamos não ter privatizado a telefonia porque a comunicação é um direito constitucional e pertence ao Estado. Estaríamos hoje com redes obsoletas, internet discada e aparelhos telefônicos como bens de alguns poucos. Essa era a realidade então. E o Estado não tinha os recursos necessários para fazer frente à revolução tecnológica que se impunha. Podemos ficar com a “água estatizada”, um ativo na mão, se querem assim, e continuar alijando de condições mínimas de sobrevivência digna mais de 100 milhões de brasileiros. Muitos desses críticos têm água potável, parte do esgoto tratado – porque o Brasil trata muito pouco –, celular e internet de alta velocidade. Por quê? Porque o Estado pelo Estado funciona para alguns, mas não para quem mais precisa. O Estado brasileiro foi privatizado para o interesse de uns poucos. E não estamos falando, nesse caso do saneamento, de todo poder à iniciativa privada ou todo poder ao Estado, mas de uma parceria no melhor interesse público. Se for preciso ajustar o modelo, que isso seja feito. Do jeito que está é que não pode continuar.

5. O senhor se considera um privatista?

Veja, essa visão é simplista. Certamente não sou mais um estatista, mas é impossível reproduzir a lógica do setor privado no setor público, como querem Paulo Guedes e alguns de sua equipe. Nem o Estado é mais ou menos corrupto do que a iniciativa privada. Muitas vezes, a iniciativa privada, desobrigada de certas limitações corretamente impostas pela legislação ao setor público, poderá ser mais eficiente. Nesse caso, o modelo que está aí não deu conta do recado. E veja que já há empresas públicas, com participação privada e ações na bolsa, como Copasa e Sabesp, então não estamos falando de um modelo puramente estatista. Essas empresas são estatais e têm lucro. Devo muito da mudança de concepção que tenho sobre o papel do Estado ao economista Ignácio Rangel. Ele já fala em concessões à iniciativa privada como meio de financiar a expansão da infraestrutura na década de 1970.

6. O senhor inclusive conduziu alguns processos como Deputados Federal e líder do governo na Câmara…

Já em 1989, como candidato a presidente, defendi as privatizações. Não havia porque falar em setores estratégicos, em inovação, e continuar produzindo aço. Fui líder do governo Itamar Franco na Câmara dos Deputados e vivi essa discussão de perto quando da privatização da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda (RJ), e da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), em Cubatão. Hoje, os países mais avançados discutem robótica e inteligência artificial. É nessas áreas que o Estado tem de focar sua agenda econômica. Até para ter condições de cuidar do social. Enquanto ficamos nesse debate sobre Estado x Privado, uns poucos seguem privatizando lucro e socializando o prejuízo, ficamos parados, perpetuando a desigualdade, e vendo outros países deixarem o Brasil para trás. Falar em privatização da água é desonestidade intelectual. Precisamos superar a queda do muro de Berlim. O modelo de uma economia totalmente planificada foi derrotado, mas uma parte da esquerda está ainda atrás de um muro de Berlim imaginário.

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